Pátio 298 - Estrelas e não só de papel
Noite de Inverno, com céu limpo e transparência razoável, permitindo ver estrelas perto da magnitude 5 com a vista desarmada, e perto de magnitude 11 através do binóculo 16x70. O habitual trio de constelações de Inverno, Orion , Lebre e Cão Maior, onde está a estrela mais brilhante do céu nocturno, Sírio, desfilavam com figuras brilhantes e reconhecíveis em redor do meridiano.
Usando o isDSA, comecei pela a constelação da Lebre (Lepus). Fazendo alguns saltos de campo binoculares, detectei o enxame globular Messier 79, com perto 8 de magnitude que dista 42000 anos-luz. No binóculo (16x), apresentou-se notoriamente difuso.
De seguida, passei para nebulosa planetária IC 418, situada por baixo dos pés de Orion, apresentando-se no binóculo absolutamente pontual. Esta planetária a cerca de 5000 anos-luz, tem a alcunha de "Nebulosa do Espirógrafo" após a espantosa imagem do telescópio Hubble. De interesse adicional, a sua estrela central, ZZ Leporis, uma anã branca muito quente (temperatura superior a 40000°), é o protótipo de um tipo de estrela variável, encontrada em pelo menos 14 nebulosas planetárias "jovens". Este tipo de estrela varia de brilho numa escala entre 4 e 10 horas, julgando-se ser causado pela a rotação da estrela e variações de densidade do vento solar (G. Handler et al, 2013). A revisitar com um instrumento bem maior.
O enxame aberto Messier 41 em Cão Maior, situa-se a pouco menos de um campo no binóculo (4°) da Sírio, tendo sido o único objecto observado nesta sessão, que se pode considerar adequado para binóculo. Estando visível a olho nu, no binóculo, mostrou cerca de duas dúzias de estrelas entre 6 e 8 de magnitude distribuídas em pouco mais de meio grau. Fica a cerca de 2260 anos-luz de nós. A menos de um grau da estrela de magnitude 4,5 Delta (δ) Monocerotis, onde se situa outra nebulosa planetária, a NGC 2346, que não tive a certeza de identificar, pois existem muitas estrelas de magnitude semelhante por perto.
Interstellarum Deep Sky Atlas (Field Edition)
de Ronald Stoyan e Stephan Schurig http://www.deep-sky-atlas.com/
Sou um grande apreciador de cartografia e de atlas astronómicos impressos em papel. Dito isto, neste Natal dei uma prenda astronómica a mim mesmo.
O meu atlas de primeira consulta continua a ser o Karkoschka. Esta pequena e compacta obra prima continua a acompanhar-me para todo o lado, passando posteriormente para o atlas de magnitude 11 Millennium Star Atlas quando tenho a disposição para carregar os seus quase 7 kg de peso. O Uranometria 2000, com estrelas até 9.75 de magnitude, parecia ser um bom candidato, mas não deixam de ser 2 volumes para os considerar portáveis. O Sky Atlas 2000.0 (laminado) com estrelas até magnitude 8.5, necessita de uma mesa ou uma estante para ser usado, e superfície plastificada tem o péssimo hábito de acumular água - prefiro papel, apesar em situações de humidade extrema não ser aconselhável usar.
Um atlas com magnitude estelar superior ou igual 9 é na minha opinião essencial. Esta é a magnitude a que chegam normalmente os buscadores e binóculos com abertura de 50-60 mm. Quando se quer apontar um telescópio para algo muito ténue, muito perto do limite de visibilidade, é importante memorizar os padrões das estrelas que se vão observar no buscador para compará-los com a carta do atlas, para então ter a certeza que estou a olhar para o sítio correcto do Universo.
Tornou-se obviamente clara, absoluta e urgente, a necessidade de ter um atlas que se preenchesse esta grave lacuna entre os meus dois atlas preferidos :) .
Primeiramente publicado em alemão em 2013, e depois em inglês em 2014 pela Cambridge University Press, este atlas contém 228 cartas (ou melhor 114 cartas duplas) e 29 cartas de detalhe, imprimindo 201719 estrelas com brilho até 9.5 de magnitude do catálogo de Tycho-2, numa escala de 1,5 cm por grau. As folhas são sintéticas e à prova-de-água, com a capa feita em PVC encadernadas com argolas plastificadas. Nas primeiras páginas, o prefácio explica a filosofia e critérios usados e enuncia as fontes dos dados, sendo então seguido pelo índex de cartas.
Este atlas contém uma generosa seleção objetos, classificados pelos autores em termos de visibilidade, usando telescópios de abertura de 4" (100 mm), 8" (200 mm) e 12" (300 mm). A observação, e em muitos casos, a sua mera deteção, depende muito da experiência do observador e do local de observação. Estas listas para serem completadas na sua totalidade requerem muita experiência e um céu bem escuro e, sendo um atlas de todo o céu de ambos os hemisférios, uma latitude variável. As listas e critérios de seleção são sempre arbitrárias e pessoais, sendo ainda muito cedo para avaliar a qualidade, pertinência, ou faltas na escolha de objetos, mas pelos números deverá satisfazer muitos gostos e interesses.
Tipo de objeto | 4" | 8" | 12" | adicionais | Totais |
Enxames abertos (OC) | 985 | 1474 | 1664 | 239 | 1903 |
Enxames globulares (GC) | 111 | 125 | 145 | 36 | 181 |
Nebulosas galácticas (GN) | 72 | 229 | 311 | 219 | 530 |
Nebulosas escuras (DN) | 101 | 248 | 313 | 213 | 526 |
Nebulosas planetárias (PN) | 102 | 261 | 496 | 259 | 755 |
Galáxias (Gx) | 660 | 3398 | 9378 | 221 | 9599 |
Quasars (Qs) | 4 | 23 | 78 | 44 | 122 |
Asterismos (Ast) | 536 | ||||
Nuvens de estrelas (StC) | 58 | ||||
Grupos de Galáxias (GxX) | 508 | ||||
Enxames de galáxias (GxC) | 117 | ||||
Totais | 2035 | 5758 | 12385 | 1231 | 14835 |
Os objetos são desenhados com símbolos, ou com a forma aparente, no caso das nebulosas galácticas ou escuras e galáxias suficientemente grandes, sendo a densidade da cor indicativa da sua maior ou menor visibilidade. Com luz vermelha da lanterna e com adaptação visão nocturna, as cores ficam essencialmente cinzentas e a densidade da cor ajuda a ter alguma, pouca julgo eu, distinção. A quadrícula corresponde a 1 grau, muito útil para se ter uma ideia do que se pode observar no campo de um binóculo, ocular, ou até da máquina fotográfica.
Adicionalmente, tem anotadas 2950 estrelas duplas e múltiplas até 8.5 de magnitude e entre 0,5" e 60", usando um pequeno traço com o ângulo, para dar uma ideia da separação e posição ângulo, e 1168 e estrelas variáveis até 9.0 de magnitude com amplitudes mínimas de 0.5 magnitudes usando círculos concêntricos de magnitude máxima e mínima. Muito informativo e baseados em dados atualizados dos catálogos WDS e GCVS/AAVSO respectivamente à data de publicação (2013). Anota também 371 estrelas onde até à data se descobriram planetas (exoplanetas).
No final deste atlas, encontra-se um índex organizado por tipo de objeto que na minha opinião, revelou-se pouco prático. NGC 2346, procuro onde ? nas galáxias, nos enxames ou nas planetárias ?. Pois. Pode obrigar a procurar várias vezes até acertar no tipo de objeto correto, sendo neste caso uma nebulosa planetária. É raro não se saber o que se está (tentar) ver, especialmente porque na carta tem o símbolo que descreve o tipo de objeto, mas neste caso já não será preciso o índex... Numa futura edição, a ter no índex, a magnitude integrada, brilho de superfície, e dimensões (mesmo com tipografia de ver à lupa), será um grande avanço na utilidade do índex e na autonomia deste atlas, assim como usar preto para maior contraste, é quase impossível consultar com luz vermelha. Provavelmente vou ter de ir anotando.
Uma das inovações relativamente aos atlas que conheço, é a tipografia variar com a visibilidade usando fontes de caracteres maiores e mais marcados para objetos mais visíveis. É extraordinariamente prático, especialmente quando não se prepara previamente a sessão. Olhando para a carta, salta logo à vista a "fruta mais baixa" disponível, após a qual se pode ver a menos acessível e finalmente mais difícil ou até impossível. Torna-se fácil de avaliar se os objetos impressos serão possíveis de observar com o instrumento que se está a usar. Quantas vezes procurei um objeto "brilhante" com o 90 mm, que realmente só teria interesse se observado com o 200 mm ?
As cartas apresentam-se limpas e não estão muito congestionadas, delegando para 29 cartas de pormenor com as regiões mais densamente populadas ou interessantes. O compromisso tomado pelos autores estrelas/objetos/escala parece-me bem conseguido. As cartas não tem praticamente bordas, sendo impresso até ao limite da folha mas sempre com alguma sobreposição das cartas adjacentes em pelo menos 1 grau. Presumo, por questões de optimização de espaço/peso, terem decidido não imprimirem moldura ou legenda. Tem também impresso os números das cartas adjacentes, que tipicamente estão várias cartas à frente ou atrás. Esta versão "Field" tem ainda um cartão em plástico com a legenda numa bolsa na capa, que está sempre a cair, mas resolvi usando um marcador magnético. Também fiz um acetato com os campos do binóculo e oculares para enquadrar e medir distâncias.
Finalmente, utilizando este atlas, as duas maiores dificuldades que senti foram o folhear páginas e alguns nomes e símbolos com tipografia muito pequena. Como referi anteriormente, as cartas são impressas num material sintético (Polyart - filme de polietileno de alta densidade com revestimento) que tem um toque aveludado semelhante a papel acetinado com uma agradável coloração ligeiramente amarelada, mas as folhas são muito finas e escorregadias, sendo para mim um pouco irritante folhear, mesmo sem as luvas de primeira camada ultra-finas que costumo usar quando está muito frio. Estou a pensar em colar alguns marcadores nas secções mais importantes.
A tipografia é muito pequena na designação Bayer das estrelas (α, β, γ δ, ε), mas curiosamente os números Flamsteed apesar de impressos na mesma fonte, lêem-se melhor. Já me sinto por vezes obrigado a recorrer a uma lupa para ver cartas e livros no escuro.
Este atlas é um pouco pesado para usar uma só mão em períodos longos, sendo bastante mais cómodo tê-lo pousado numa mesa ou estante (por exemplo as usadas para pautas musicais). Ocupa no entanto, pouco espaço, podendo ser completamente dobrado por ser encadernado com argolas, conseguindo manter-se nesse modo "quase" horizontal. Tenho alguma dificuldade em colocar na luxuosa caixa de cartão grosso com letras a dourado, pois as folhas desalinham facilmente.
Todas estas questiúnculas menos positivas, são de pouca importância, perdoem o pleonasmo, e certamente pessoais. Não me importo de ir acrescentando e anotando os objetos, e usar marcadores para personalizar mais a meu gosto. Até é possível marcar as cartas com canetas de tinta à base de água (ex: marcadores Staedtler não-permanentes) e posteriormente apagar - muito útil para a marcar e anotar objetos a observar, trajetórias de cometas, asteróides, ocultações e outros fenómenos.
Tudo resumido, não posso deixar de considerar este atlas um deleite para os olhos, sendo fácil correlacionar as cartas com o céu, servindo de também de excelente livro de mesa para folhear, à procura de objetos interessantes para planear a próxima oportunidade de observação. Também é muito útil para descobrir alvos interessantes quando estou na astrofotografia.
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