2024 (II)
Pátio 368 - A Anã do Dragão
2024.07.06
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
Noite aparentemente limpa de nuvens, com algum vento e uma neblina que foi adensando ao longo da noite, num céu urbano com magnitude perto de 3 no zénite.
Desta vez fui visitar a extensa constelação do Dragão (Draco), que facilmente se pode imaginar das suas estrelas mais brilhantes, e que rodeia grande parte da constelação da Ursa Menor. Esta constelação é a oitava em área (1083° quadrados) sendo visível entre Março e Setembro.
Para além do único objecto Messier de atribuição não muito certa, o Messier 102, alberga também algumas galáxias interessantes, uma planetária icónica Este "Olho-de-gato" e vários estrelas duplas e múltiplas, algumas delas binoculares.
De notar que a estrela mais brilhante desta constelação não é a alfa (α) Draconis "Thuban" (mag. 3.66), mas sim a gamma (γ) Draconis "Eltanin" (mag. 2.2). A "Thuban" foi estrela brilhante mais próxima do polo norte circa 2800 A.C. tendo sido a estrela polar das civilizações Egípcia e da Babilónia, daí a sua importância histórica, mas Ian Ridpath, na sua página "Star Tales" escreve que Bayer deve ter feito "copy/paste" da classificação errada de Tycho que lhe dava magnitude 2, sem ir realmente verificar se assim era...
16, 17 Draconis
Este sistema binário (STFA 30 AC) pode ser observado com praticamente qualquer binóculo, constituído por duas estrelas branco-azuladas quase gémeas, de magnitudes 5.38 (A0) e 5.50 (A2) respectivamente e amplamente separadas por 90.2".
16, 17 Draconis
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 2 min (4x30s) ISO 800
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nu2 (ν2) Draconis
Este sistema binário (STFA 35), também conhecido por "Kuma" é por sua vez, praticamente gémeo na aparência com o sistema anterior, mas ligeiramente mais brilhante, com magnitudes de 4.87 (A8) e 4.90 (A4) respetivamente e um pouco mais próximas a 62.3", fazendo parte das cinco estrelas que formam a "cabeça" do dragão.
nu2 (ν2) Draconis
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 2 min (4x30s) ISO 800
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16, 17 Draconis & nu2 (ν2) Draconis
Binóculo Fujinon 7x50 7.5° mag. 9.0
Guide 9.1, ps2pdf e Pixelmator Pro
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Galáxia Messier 102 (NGC 5866 ?)
A galáxia Messier 102 é considerada uma observação duplicada da Messier 101, galáxia que se encontra relativamente perto a cerca de 6°. mas é por vezes é associada à galáxia mais brilhante da região que poderia ser observada com os instrumentos da altura, sendo uma possível candidata esta galáxia descoberta por William Herschel em 1788, a NGC 5866 (SA0), uma galáxia lenticular quase de perfil com perto de magnitude 10 e alto brilho de superfície (12.2), com um notório disco de poeira ao longo de grande parte da sua extensão.
Está relativamente isolada a 14 Mpc (45 milhões anos-luz), formando provavelmente um amplo grupo físico com as galáxias NGC 5907 (capturada abaixo) que está a cerca de grau e meio de distância e a galáxia NGC 5879 a pouco mais de um grau, com as quais partilha um "redshift" similar.
No notável livro Deep-Sky Companions - The Messier objects do igualmente notável observador visual Stephen James O'Meara é contada a longa e atribulada história deste Messier 102.
Galáxia Messier 102 (NGC 5866 ?)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 60 min (120x30s) ISO 800
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Galáxia NGC 5907
Também esta descoberta por William em 1788, a galáxia NGC 5907 (Sc spw) está quase perfeitamente de perfil com uma inclinação de 89°, que lhe dá uma forma que inspirou o nome popular "Splinter Galaxy" ou "Knife Edge Galaxy", numa tradução livre "Galáxia Gume de Faca". Esta galáxia é maior que a nossa, com cerca de 120000 anos-luz de extensão em comparação com 89000 anos-luz e cerca do dobro das estrelas (225 mil milhões, se a Via Láctea tiver 100 mil milhões). É também considerada uma galáxia análoga à nossa, e tem sido estudado a "fluxo estelar" dos seus enxames globulares (cerca de 157) originados em galáxia satélite em disrupção, que faz com que comparativamente com a grande maioria das espirais, tenha uma percentagem muito baixa de estrelas gigantes. Está situada a ~14 Mpc.
Esta galáxia também tem perto da magnitude 10, mas um brilho de superfície (13.3) mais baixo que a NGC 5886 (12.2) pois está "espalhado" pela a sua maior dimensão aparente 12.60'x1.4'. A titulo de curiosidade foi atribuído o NGC 5906 à parte oeste da linha de poeira, Herschel na altura, e Dreyer posteriormente julgaram serem dois objectos distintos.
Galáxia NGC 5907
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 60 min (120x30s) ISO 800
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Galáxia Anã Esferoidal do Dragão (UGC 10822)
Não me perguntem como foi possível detetar esta galáxia com apenas 1 hora de exposição, ainda por cima neste céu... Não foi coincidência ter escolhido tentar capturar esta ténue galáxia num intervalo de uma hora perto do seu trânsito do meridiano, altura que estava a mais de 70° de altitude, mas uma coisa é certa, a magnitude estelar anda perto de 18 e estão bem visíveis na imagem galáxias com magnitude mais ténues que 16...
A galáxia Anã do Dragão (dSph) pertence ao Grupo Local e está muito próxima a 0.080 Mpc (260000 anos-luz), sendo satélite da Via Láctea.
Esta galáxia é uma anã esferoidal (dSph) e devido a serem muito pequenas, terem muito pouca luminosidade e muito baixo brilho de superfície, ainda só foram observadas no Grupo Local, explicando talvez a razão desta apenas ter sido descoberta em 1954 por Albert Wilson nas placas fotográficas do Palomar Observatory Sky Survey (POSS).
Com um pouco de atenção e paciência, é possível ver a galáxia denunciar-se como uma muito ténue nebulosidade de estrelas não resolvidas no centro da imagem. A dimensão da galáxia é 35.5′×24.5', que ocuparia grande parte da área total da imagem abaixo, talvez possível de captar mais sinal com um telescópio de maior abertura, muito mais tempo de exposição, e claro, um céu bem mais escuro. Pode-se ainda observar pelo menos três galáxias: a UGC 10811 (mag. 15.1) , a PGC 140771 (mag. 16.4) e a 2MASX J17202953+5804552 (mag. ~15)
Galáxia Anã Esferoidal do Dragão (UGC 10822)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 60 min (120x30s) ISO 1600
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Enxame globular NGC 6229
Aproveitando estar nas redondezas, fiz uma imagem rápida do enxame globular NGC 6229 (IV) de magnitude 10 e distando 30.0±1.5 kpc (~97000 anos-luz), é aparentemente pequeno com 4.5' e pouco luminoso e não muito resolvido devido à sua distância, formando um triângulo com duas estrelas amarelas (F5) de magnitude 8.0 e 8.4. De todos os enxames globulares descobertos na constelação de Hércules falta o Palomar 14, a visitar oportunamente.
Este globular foi descoberto por William Herschel em 1787, classificando-o erradamente como uma nebulosa planetária, talvez por ser pequeno redondo e azulado, e as estrelas não estarem resolvidas (as mais brilhantes começam na magnitude 15), tendo posteriormente em 1819, Jean-Louis Pons (o descobridor do cometa de abril passado), confundido este globular com um cometa e resgatou o "prémio" à princesa Maria Louisa de Bourbon, sua patrona.
Enxame globular NGC 6229
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 3 min (6x30s) ISO 800
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Sobre o Grupo Local
O Grupo Local que é definido como uma esfera com 1 Mpc (3.26 milhões anos-luz) de raio centrada na Via Láctea, onde até ao fim do século XX foram descobertas 35 galáxias, as chamadas "clássicas", mas entretanto foram adicionadas mais algumas dezenas do Sloan Digital Sky Survey (SDSS) mas todas extraordinariamente ténues e praticamente imperceptíveis.
As galáxias maiores e mais luminosas do Grupo são a Via Láctea, a Andromeda (Messier 31) e a Galáxia do Triângulo (Messier 33), todas elas espirais, sendo as únicas deste tipo no Grupo. A Andromeda está a 770 kpc (2.5 milhões anos-luz) e a Messier 33 acerca de 850 kpc (2.8 milhões anos-luz). O membro seguinte mais brilhante é a Grande Nuvem de Magalhães (a 50 kpc), que conjuntamente com a Pequena Nuvem de Magalhães (a 60 kpc) orbitam a Via Láctea, sendo esta última galáxias satélite. Esta duas e mais outras 11 são classificadas como irregulares (dIr). As restantes são anãs esferodais (dSph), como a galáxia acima registada, e anãs elípticas (dE) sendo muito pequenas e ténues. Esta últimas estão agrupadas à volta da Via Láctea e a Andromeda, mas também se podem encontrar relativamente isoladas.
No caso da nossa galáxia, além das "Nuvens de Magalhães" LMC e SMC, existem cerca de 20 galáxias anãs, algumas delas na chamada "corrente magalhânica", uma banda de hidrogénio neutro que foi estripado das "Nuvens Magalhânicas" há 200 milhões de anos pela a interação gravitacional com a Via Láctea. Esta corrente contém cerca de 100 milhões de massas solares.
De facto, o Grupo Local não é propriamente um grupo de galáxias no sentido que os astrónomos dão ao termo, pois o tamanho de 1 Mpc (3.2 milhões anos-luz) é arbitrário e muito extenso para a massa deste grupo, sendo provavelmente dois grupos de galáxias, um centrado na Andromeda e outro centrado na Via Láctea que se estão a aproximar e eventualmente vão-se misturar. A Andromeda é das poucas (~100) galáxias "blueshifted", ou seja está aproximar-se (ou nós dela), tanto própria galáxia como toda a sua prole de satélites, e no momento não é muito certo o valor de cada uma das suas respectivas massas, e ganhará a que tiver maior massa. É um problema para me começar a preocupar daqui a pelo menos 2500 milhões de anos...
Outros grupos vizinhos que estão num raio de 10 Mpc são: grupo de Centauro (3.5 Mpc, 17 membros), o grupo da Messier 101 (7.7 Mpc, 5 membros), o grupo Messier 65/96 (9.4 Mpc, 10 membros) e o grupo da NGC 1023 (9.6 Mpc, 6 membros).
O enxame de galáxias (grupo com centenas ou milhares de galáxias) mais próximo é o da Virgem a 16 Mpc, ocupando um área de 10°x10° de céu, onde se podem observar cerca de 250 grandes galáxias e mais de 2000 mais pequenas, centradas na galáxia elíptica supergigante Messier 87, onde em 2017 e pela a primeira vez se fez uma imagem direta do horizonte de eventos de um buraco negro, tendo este uma massa estimada de 6500 milhões de massas solares!.
Abaixo fica uma pequena lista das galáxias do Grupo Local com ligações para imagens que fiz de algumas delas.
Galáxia
|
Tipo
|
kpc
(kpc=3262 anos-luz)
|
Satélite
|
Via Láctea
|
Sbc I-II
|
8
|
--
|
Grande Nuvem de Magalhães (LMC)
|
Ir III-IV
|
50
|
Via Láctea
|
Pequena Nuvem de Magalhães (SMC)
|
Ir IV-V
|
63
|
Via Láctea
|
Sgr I
|
dSph?
|
20
|
Via Láctea
|
Fornax
|
dE0
|
138
|
Via Láctea
|
Sculptor Dwarf
|
dSph
|
88
|
Via Láctea
|
Leo I
|
dSph
|
790
|
Via Láctea
|
Leo II
|
dSph
|
205
|
Via Láctea
|
Ursa Minor
|
dSph
|
69
|
Via Láctea
|
Draco
|
dSph
|
79
|
Via Láctea
|
Carina
|
dSph
|
94
|
Via Láctea
|
Sextans
|
dSph
|
86
|
Via Láctea
|
Andromeda (M31)
|
Sb I-II
|
770
|
--
|
M32 (NGC 221)
|
dE2
|
730
|
Andromeda
|
M110 (NGC 205)
|
dE5p
|
730
|
Andromeda
|
NGC 185
|
dE3p
|
620
|
Andromeda
|
NGC 147
|
dE5
|
755
|
Andromeda
|
And I
|
dSph
|
790
|
Andromeda
|
And II
|
dSph
|
680
|
Andromeda
|
And III
|
dSph
|
760
|
Andromeda
|
Cas = And VII
|
dSph
|
690
|
Andromeda
|
Peg = DDO 216
|
dIr/dSph
|
760
|
--
|
Peg II = And VI
|
dSph
|
775
|
Andromeda
|
LGS 3
|
dIr/dSph
|
620
|
M33?
|
Galáxia do Triângulo (M33)
|
Sc II-III
|
850
|
--
|
Barnard's Galaxy (NGC 6822)
|
dIr IV-V
|
500
|
--
|
IC 1613
|
dIr V
|
715
|
--
|
Sagittarius
|
dIr V
|
1060
|
Via Láctea
|
WLM
|
dIr IV-V
|
945
|
--
|
IC 10
|
dIr IV
|
660
|
--
|
DDO 210, Aqr
|
dIr/dSph
|
950
|
--
|
Phoenix Dwarf
|
dIr/dSph
|
405
|
Via Láctea
|
Tucana
|
dSph
|
870
|
--
|
Leo A = DDO 69
|
dIr V
|
800
|
--
|
Cetus Dwarf
|
dSph
|
775
|
--
|
Bibliografia e recursos:
Pátio 369 - Dois sistemas em Cisne
2024.07.12
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
A noite parecia limpa, mas depois de montar o telescópio e alinhar, surgiram as nuvens... só foi possível fazer imagens com exposições curtas e entre as nuvens. Apenas me restou ir visitar alguns sistemas estelares duplos e múltiplos na constelação do Cisne.
Omicron1 (ο1) Cygni
A omicron1 (ο1) Cygni, também designada por 31 Cygni, ou V695 Cygni é um sistema estelar ternário a cerca de 750? anos-luz na constelação do Cisne. O par das duas estrelas mais brilhantes, formado pela supergigante vermelha (31 Cygni, K3Ib) de magnitude 3.94 e a gigante branca (30 Cygni, A5IIIn) de magnitude 4.83, STFA 50 AD, está separado 336.7" , mas não sabe ao certo se é um sistema físico. O par mais próximo está separado por 109", sendo constituído por uma gigante vermelha e por uma anã azul (HD 192579, B5) de magnitude 7, STFA 50 AC, mas também este par parece ser apenas visual. É um excelente alvo para se observar com qualquer binóculo.
A designação V695 Cygni da supergigante vermelha, significa que também é uma estrela variável (3.73 - 3.89), mais concretamente uma variável de eclipse de longo período do tipo Algol. A variabilidade é causado por um sistema binário, a supergigante K3Ib e massa 6.73 M☉, e uma anã azul (B3V) de massa 5,22 M☉ que periodicamente se eclipsa, baixando o brilho, ou transitam (aumentando). Este sistema tem um período orbital de 3784.3 dias (~10.36 anos) e está a 1,120±50 anos-luz.
Omicron1 (ο1) Cygni
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 2 min (4x30s) ISO 800
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61 Cygni
A 61 Cygni (STF 2758 AB), é um sistema binário muito próximo de nós estando a apenas 11.38 anos-luz (3.49 pc), composto por duas estrelas anãs laranja (tipo K) de magnitude 5.21 (K5V, 0.70 M☉) e 6.05 (K7V, 0.63 M☉) correspondendo às componentes A e B. Ambas orbitam o baricentro comum (ponto de centro de massa do sistema) num período de 704.8±40.2 anos, numa órbita muito excêntrica (0.435) fazendo com que estejam a 44 AU na periapsis (distância menor entre dois corpos) e 124 AU na apoapsis (maior distância).
Este sistema é realmente especial por ser visível a olho nu, mas será preciso um binóculo com pelo menos 10x de magnificação para se conseguir resolver a separação de 32". Por estar tão perto, o movimento próprio é muito notório, movendo-se em relação às estrelas de fundo 5.3" por ano, sendo perfeitamente perceptível se fizermos uma imagem deste par todos anos.
Ler também o relato que fiz no ano passado.
61 Cygni
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 1 min (4x15s) ISO 800
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Omicron1 (ο1) Cygni & 61 Cygni
Binóculo Fujinon 7x50 7.5° mag. 9.0
Guide 9.1, ps2pdf e Pixelmator Pro
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Sobre distâncias (I) - AU (Unidade Astronómica)
Conhecer as distâncias dos astros é muito importante, e os astrónomos elaboraram alguns métodos inteligentes mas no entanto conceptualmente simples para a sua determinação. Se todos os métodos concordarem nos valores obtidos, maior certeza se tem da sua validade. O texto abaixo tem algumas equações, mas a matemática é (acho eu) do nível do 9° ano.
Distância da Terra ao Sol - a Unidade Astronómica
Determinar a distância da Terra ao Sol com precisão é um processo complexo e nada trivial. O valor actual é 1 AU (Astronomical Unit) = 149,597,870,700 metros, que é um valor médio porque a orbita da Terra é uma elipse e a distância pode variar 2.5 milhões km consoante o ponto da órbita em que está.
Determinar esta distância foi sempre uma demanda desde a Antiguidade, começando com Aristarco no século III AC, até finalmente no século XX se ter determinado com exactidão.
Edmond Halley num artigo publicado inicialmente em 1691 e refinado em 1716, propôs um método de cálculo usando medições do trânsito do planeta Vénus no disco solar em várias localizações da Terra de modo a determinar a paralaxe do Sol e usando trigonometria calcular sua distância. Os trânsitos de Vénus são extremamente raros e o próximo só aconteceria em 1761 logo seguido de outro em 1769 (os trânsitos de Vénus acontecem aos pares). Para este trânsitos foram feitas muitas observações em diversos pontos do mundo, tendo 1771 Jérôme Lalande calculado o valor de 153±1 milhões km. Os trânsitos de 1874 and 1882 adicionaram mais observações que permitiram em 1895 Simon Newcomb chegar ao valor de 149.59±0.31 milhões km, valor muito próximo do actual.
E finalmente, passado mais 122 anos, aconteceram os trânsitos de 2004 de 2012, que por sorte o trânsito de 2004 foi praticamente visível em Portugal e tive oportunidade de observar e registar as horas de dois dos contactos que enviei para o projecto VT-2004 que teve 2763 participantes de todo o mundo e que ajudaram a calcular ao AU com um erro de 0.043%!!!
Actualmente a AU é calculada com tecnologias como o radar e astrometria de sondas e satélites que não existiam aquando o penúltimo par de trânsitos que aconteceram no século XIX.
Abaixo fica um método que usa a 3ª lei de movimento planetário de Johannes Kepler, que diz que o quadrado do período (P) da órbita de um planeta é proporcional ao cubo do comprimento do semi-eixo maior (b) da órbita.
P2 / b3 = k (constante)
Como se pode verificar, se a distância aumentar o tempo de translação aumenta. Esta lei aplica-se a todos os corpos que orbitam o Sol, sejam planetas ou asteróides e permite calcular as suas distâncias relativas ao Sol. Escolhendo um corpo do sistema solar que se conheça bem as efemérides, por exemplo Vénus, podemos usá-lo para argumentar a igualdade baixo, reescrevendo-a de seguida com um pequeno passo de álgebra:
P(Venus)2 / b(Venus)3 = P(Terra)2 / b(Terra)3
<=>
P(Venus)2 / P(Terra)2 = b(Venus)3 / b(Terra)3 (eq. I)
Os valores necessários para resolver esta equação são os seguintes:
-
P(Terra) - O período translação da Terra (365.26 dias) - já bem determinado
-
P(Venus) - O período translação de Vénus (224.7 dias) - já bem determinado
- A distância de Terra a Vénus - determinada por radar, pois é um corpo que está relativamente perto. Esta medição é feita quando os dois corpos estão mais próximos e alinhados no mesmo lado do Sol, ou seja, em conjunção inferior.
Como o eco do radar desloca-se à velocidade da luz, usa-se a seguinte equação:
t(tempo) = 2 x d(distância) / c(veloc. da luz)
ou noutra forma
d = (t x c) / 2 (eq. II)
Tomamos o tempo de eco radar medido neste artigo de 1961 - 283.0845 segundos medido numa conjunção inferior da Terra-Vénus. Substituindo na equação (eq. II) determinamos uma distância (d) de 42,433,299,038.34 metros.
Com a distância (d) (Terra a Vénus) medida anteriormente podemos dizer que:
d = b(Venus) - b(Terra)
<=>
b(Terra) = b(Venus) - d
Substituindo tudo na equação (eq. I), obtemos o comprimento (raio) da orbita de Vénus b(Venus) (109,668,334,787.49 metros), a que somamos a distância (d) e finalmente obtemos o b(Terra) ou AU aproximado ~151 milhões de km...
Esta lá quase porque não tenho bem a certeza que o valor do tempo de retorno do eco está correcto ou corrigido (por exemplo efeito de Doppler ou efemérides não muito exatas), e também não se teve em conta que as orbitas são na realidade elipses, e claro, que o Sol pode efetivamente estar mais afastado que a AU.
A 3° lei de Kepler é empírica (resulta de um padrão reconhecido em dados observados) mas pode ser deduzida pela a lei de gravitação de Newton, podendo-se deduzir uma equação que também inclua a órbita elíptica e generalizar para qualquer corpo independentemente da sua massa. E claro, também pode ser deduzida da Teoria da Relatividade. Mas deixemos essa precisão para quem tem a responsabilidade de por uma sonda ou observatório que custa milhares de milhões de euros em órbita à volta do Sol...
Bibliografia e recursos:
Pátio 370 - A Rainha e a Usurpadora da Coroa
2024.08.09
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
Curta sessão em que fiz uma rápida visita a três interessantes e raros sistemas variáveis na constelação Corona Borealis, a Coroa do Norte.
Esta constelação tem estrelas relativamente brilhantes que formam um distintivo semi-circulo que se pode associar a uma coroa. Alberga algumas galáxias NGC ténues e um super-enxame de galáxias (Corona Borealis Supercluster ) em que o enxame mais massivo, Abell 2065. tem cerca de 400 galáxias, todas elas muito ténues e pequenas por se encontrarem a mais de mil milhões anos-luz. Para telescópios de tamanho amador é praticamente um deserto de objectos de céu profundo mas por outro lado, compensa bem com os seus interessantes e diversificados sistemas estelares.
R CrB e T CrB
Binóculo Fujinon 7x50 7.5° mag. 10.5
Guide 9.1, ps2pdf e Pixelmator Pro
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α Coronae Borealis (A0V+G5V) "Alphecca"
Esta sub-gigante branco-azulαda, também chamada Gemma, no sentido de "jóia da coroa"", é na realidade um sistema binário a 23.01 ± 0.15 parsecs (~75 anos-luz) constituído por duas jovens estrelas anãs com cerca de 414±28 milhões de anos, uma branca (A0V) e outra amarela (G5V), com massas de 3.04±0.30 R⊙ e 0.90±0.04 R⊙ respetivamente, e com uma órbita de apenas 17.36 dias, visto quase de perfil (88.2º) de excentricidade (e ≈ 0.38). A separação aparente é muito pequena: entre 0.001-0.002", só detectável com um telescópio espacial.
Este é um sistema binário de eclipse ou "Algol". Este tipo de sistema tem dois mínimos: quando a estrela secundária eclipsa a primaria, e quando a secundária é ocultada pela a primária, efetivamente anulando a contribuição no fluxo da secundária. A variação é entre magnitude 2.213-2.290, que é muito pequena para se notar visualmente.
α Coronae Borealis "Alphecca"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 2.5 min (5x30s) ISO 800
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T Coronae Borealis (M3III+p) "Blaze Star"
Esta estrela é uma rara nova clássica do tipo RNe (Recorrent Novae), que actualmente só se conhecem 10, tendo períodos de recorrência menores que 100 anos. Neste sistema binário, foram observadas duas erupções em 1866 e 1946, de donde se pode estimar por grosso que a próxima será em 1946+80, ou 2026. Entretanto passou por um aumento de brilho que historicamente foi observado antes da última erupção em 1946, e na publicação recente estimam que a próxima erupção poderá ocorrer em 2025.5 ± 1.3, o que significa que poderá estar eminente, e sobre a qual lamento informar que não foi neste dia até às 23:00 UTC, e convém ter esta debaixo de olho...
Nas duas erupções anteriores chegou a ter uma magnitude visual de 2 e 3 respectivamente, aumentando de brilho entre 600x-1600x em relação à sua magnitude "normal" de cerca de 10, rivalizando nestas alturas com a própria alfa da constelação que a alberga. O Gaia EDR3 situa esta estrela variável cataclísmica a 915.751±23.0615 pc (~3000 anos-luz), o que felizmente não é propriamente próximo.
Digo felizmente, porque a T CrB é constituída por uma gigante vermelha e uma anã branca numa apertada órbita de 227 dias, em que a gigante vermelha fornece matéria ao disco de acreção da anã branca. Parte dessa matéria chega a superfície, fica compactada e aquece, e eventualmente irá causar um explosão termonuclear na sua superfície, responsável pelo o súbito aumento de brilho e também grande quantidade de poeira. Teoricamente, pode eventualmente acumular na massa da anã o suficiente para ultrapassar a fatídica 1.4x a massa do Sol (limite de Chandrasekhar) que resulta no supremo petardo - uma supernova Tipo Ia, e esta anã anda com a massa lá muito perto. Não é lá muito aconselhável ter um sistema destes aqui por perto.
T Coronae Borealis
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 2.5 min (5x30s) ISO 800
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R Coronae Borealis (G0Iep) "Soot Star"
Esta supergigante amarela de baixa massa muito deficiente em hidrogénio, ou até provavelmente a fusão de duas anãs brancas. Também conhecida por Variabilis Coronae e um pouco mais sossegada que a anterior, mas igualmente rara (150+) conhecidas) e tem um comportamento bastante mais errático e bizarro. Apesar de variar de brilho entre 4.9 e 12-15 de magnitude, a maior parte do tempo está a brilhar a 4.9 como a imagem abaixo mostra, sendo visível a olho nu num céu escuro. Estima-se que esteja a 1.4 kpc (~4500 anos-luz) e tenha uma extraordinária magnitude absoluta de MV = –5, cerca de ~10000 mais luminosa que o nosso Sol.
Esta estrela comporta-se como uma "nova inversa" apesar do mecanismo não ter nada a ver como as novae, pois é completamente impossível prever quando acontece essa perda de brilho, e até o próprio brilho pode variar entre 7 e 10 magnitudes. Estas estrelas estão envolvidas por uma concha de poeira que pode ter origem nos restos fósseis de uma planetária após o flash de hélio, ou restos da fusão de duas anãs brancas.
Os astrónomos acreditam numa terceira hipótese em que a estrela vai fazendo alguns "puffs" estelares que originam partículas de carbono, ou carbonáceos, "fuligem" num termo mais vulgar, que por sua vez formam concentrações em nós que se vão acumulando a uma determinada distância, também estes pouco uniformes, que por sua vez, vão obscurecer a estrela em intervalos também aleatórios, sendo depois "expelidos" pela a pressão da radiação da estrela num processo que pode levar meses ou anos.
R Coronae Borealis
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 2.5 min (5x30s) ISO 800
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Bibliografia e recursos:
Sobre a Nomenclatura das estrelas variáveis
A nomenclatura das estrelas variáveis à semelhança de muitas outras em Astronomia, tem origem origem na tradição que pode remontar milénios. Apesar de na antiguidade se ter notado que existiam estrelas que variavam, como é o caso da Algol (β Persei), que ficou conhecida como a "estrela do demónio", talvez devido à crença das estrelas serem algo sagrado e imutável, e qualquer alteração só poderia ser culpa de algo demoníaco. Eram poucas e davam-lhes nomes que ainda hoje perduram.
Em 1786, apenas esta dúzia de variáveis era conhecida (Pigott) : omicron Ceti, chi Cygni, R Hydrae, R Persei, eta Aquilae, eta Lyrae, R Leonis, delta Cephei, alpha Herculis, R Coronae Borealis, R Scuti e R Virginis.
A partir do século XIX, a quantidade de estrelas variáveis conhecidas era ainda muito reduzida, e Friedrich W. Argelander iniciou a convenção de usar letras maiúsculas do alfabeto, R, S, T, U, V, W, Y e Z para designar as estrelas que não tivessem já a letra grega Bayer atribuída (α, β, etc...) e por ordem de descoberta em cada constelação, sendo a letra R a primeira a ser descoberta.
Obviamente. com observações mais sistemáticas começaram a descobrir cada vez mais variáveis, e tiveram que estender para RR...RZ, SS...SZ, TT...TZ até ZZ. Mas mais uma vez esgotaram as combinações, e adicionou-se também AA...AZ, BB...BZ, CC...CZ até a QZ, excluindo o J para não haver confusões nas cartas estelares. Nesta nomenclatura, a segunda letra nunca pode ser inferior que a primeira na ordem alfabética (não existem BA ou SR). Todas estes combinações de letras podem designar até 334 estrelas variáveis por constelação. Até que finalmente resolveram o problema definitivamente e deixaram de usar as letras de alfabeto, passando a usar a nomenclatura Vxxxx, em que xxxx é um número superior a 334, por exemplo V335, de forma a manter intacta a cronologia da descoberta. Em 2023, foi nomeada a V6619 Sgr. A constelação do Sagitário é a actual recordista.
Resultado final é o sistema ser um pouco confuso, mas de certa forma congruente e eficaz, à boa e tradicional maneira dos astrónomos. Neste momento, o catálogo mais completo é o General Catalogue of Variable Stars que contém quase 60000 variáveis e adicionalmente existe um catálogo com perto de 15000 suspeitas.
Bibliografia e recursos:
Astrofesta 2024
2024.08.10
Observatório Astronómico de Constância
Mais uma Astrofesta no Centro de Ciência Viva de Constância, com as habituais palestras e observações no parque. E mais uma vez, tornou-se um ponto de encontro de amigos e companheiros com o gosto comum na Astronomia e também por boas refeições.
As palestras pareceure-me bem compostas. Gostei de saber que o super-bólide no inicio do ano, visto por toda gente menos eu, que se tratava de um calhau para ter 1 metro de diâmetro e pesar 800 kg, que infelizmente caiu no mar (por Rui Gonçalves), e também de ver os recentes "smartscopes" que fazem tudo sozinhos, são controlados por "smartphones" e fazem imagens prontinhas a enviar para o "Insta"... gostava de ter um só porque sim e espero que estes "gadgets" pelo menos despertem a curiosidade à nova geração (por Pedro Ré).
As observações noturnas pareceram-me também bem concorridas e sob um céu decente, com telescópios para visual e também alguns a fazer astrofotografia. Dava uma parte a especificar do meu corpo para ter pelo menos este céu no meu Pátio.
Astrofesta 2024 - Centro de Ciência Viva de Constância
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Fez 30 anos desde que se realizou na Serra de Ossa em 1994, no Alto Alentejo, a primeira Astrofesta sobre a qual se pode ver uma reportagem no arquivo da RTP.
Sobre lanternas
A visão humana adapta-se à quantidade de luz que incide nos olhos. Primeiramente, de maneira quase imediata, abrindo e fechando rapidamente a pupila (a parte negra da íris), e depois mais lentamente, até 30-40 minutos, com adaptação química com a produção de uma proteína sensível à luz, rodopsina, também conhecida como púrpura visual, que torna os olhos mais sensíveis, mais precisamente os seus bastonetes, que são responsáveis pela a nossa visão periférica e nocturna, mas com o efeito secundário da visão ser monocromática no escuro. Esta adaptação faz parte do nosso "kit" evolucionário de sobrevivência.
A razão por que se usa a luz vermelha durante as observações é a de não afectar (tanto) a adaptação da nossa visão nocturna, e permitir uma recuperação um pouco mais rápida. Não é de todo consensual se realmente a cor vermelha é a mais eficaz, mas no entanto, é consensual que a intensidade é o factor mais importante, podendo-se usar luz amarelada ou esverdeada de muito baixa intensidade. No fundo, qualquer cor poderá servirá consoante o propósito.
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A questão fundamental é que pode não ser o suficiente para ler os atlas ou livros, ou até, onde se pode pôr os pés. Uma luz intensa, ou muito focada, mesmo sendo vermelha também faz perder a adaptação da visão nocturna - até pode mesmo observando estrelas brilhantes através do telescópio. Na prática, mesmo sob um céu mesmo escuro poderá ser impossível atingir a adaptação máxima, excepto se usarmos um manto escuro sobre a cabeça a tapar toda e qualquer luz, mesmo a luz natural do céu (Via Láctea, brilho do céu, etc...) - mas já seria partir para algo militante e radical.
Como em tudo, varia um pouco de pessoa para pessoa, e nada como testar para o melhor compromisso.
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No meu caso, uso lanternas com LED vermelhos (ou quase), ou filtrada, adicionando se possível um difusor para espalhar e distribuir homogeneamente a luz, tornando-a mais suave, de modo a que possa iluminar a uma distância que seja legível, uma boa área de uma carta estelar, ou então uma lanterna com baixos lúmen (sub-lúmen) de luz amarelada.
Se pretendo observar, ou melhor, detectar algo que esteja no limite da visibilidade, será obrigatoriamente necessário não olhar para nenhuma luz (de qualquer cor) pelo menos durante 15 minutos.
Dito isto, qualquer lanterna serve desde que esteja filtrada com vermelho "profundo", e devidamente atenuada, quer por um regulador de intensidade, quer por filtro. Pode-se adaptar uma lanterna comum pintando o LED com verniz das unhas (vermelho escuro) ou por uma camada de celofane vermelho até ficar suficientemente atenuada e na cor mais ou menos correcta.
Eu costumo usar as lanternas penduradas num cordão ao pescoço, expostas ao relento, por tal é aconselhável que seja leve, com baterias resistentes ao frio, como as de lítio, e que permita regular a intensidade se possível.
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A Rigel Systems Skylite, versão original e mini, tem um duplo LED vermelhos (660nm) e também 2 LED brancos, sendo regulável em intensidade. Durante muitos anos foi a minha escolha. Como não tem reflectores para focar e distribuir a luz, o foco tem dois pontos de luz mais intensos (dos dois LED), tornando a iluminação bastante irregular, com zonas mais escuras. Usa uma pilha de 9V que tem a tendência de perder alguma eficiência com o frio. A construção é um pouco tosca, com parte da frente a soltar-se facilmente, mas nada que fita cola não resolva...
A Petzl e+LITE foi pensada para ser uma lanterna de emergência e é para usar na cabeça, libertando as mãos, para por exemplo, montar ou arrumar equipamento. O LED vermelho emite 2 lúmen e também tem luz branca de 40 lúmen se necessário. Não a uso em comunidade, pois mesmo tendo cuidado é fácil "cegar" os companheiros inadvertidamente. Usa 2 pilhas 2032 de 3V. Resistente ao frio e à prova de água.
A Nitecore MT10C é uma pequena lanterna "táctica" com LED vermelho (ligeiramente alaranjado) de 0.8 lúmen e pode atingir até os 900 lúmen na luz branca, o suficiente para acordar pássaros a 100 metros... Com o filtro difusor colocado (acessório da marca), proporciona um foco de luz espalhado e suave, iluminando uniformemente a totalidade das cartas do Sky Atlas 2000.0 ou do iDSA - a intensidade é um pouco alta mas os meus olhos neste momento necessitam de mais luz.
A qualidade de construção é tal que dá para partir nozes com a parte detrás. É à prova de água, quedas e por usar baterias de lítio, resistente ao frio, sendo possivelmente útil num apocalipse zombie.
Embora possa ser arriscado usar esta lanterna num ambiente comunitário (ex: Astrofesta), tem memória da última intensidade/cor utilizada, e geralmente está no LED vermelho. Mas no caso de não ter a certeza é sempre possível ligá-lo directamente. Pode usar uma pilha de lítio recarregável de 3.7V ou uma primária CR123 de 3V, tendo uma autonomia entre 18-24 horas na luz vermelha. Estas lanternas LED modernas tem uma qualidade de luz e eficiência impressionantes, e que tenha conhecimento, não existem lanternas dedicadas a astronomia com esta qualidade de foco, que sejam de intensidade regulável e usem LED realmente vermelhos (660nm), o que é pena. Apesar destas questões, esta é atualmente a minha lanterna preferida.
Abaixo está a Nitecore com filtro difusor (à esquerda), e a Rigel Skylite (versão original). Estão a iluminar uma carta de Sky Atlas (Desk Edition laminado a plástico), com a distância e intensidade adequada de modo a ser (a mim) legível. Notar a suavidade de iluminação da Nitecore.
Sobre a Lua e lux e lúmens
A Lua obviamente não é um emissora de luz, mas sim uma reflectora da luz do Sol. Uma lua cheia equivale a uma intensidade de iluminação de 0.25-0.27 lux (lúmen/m2), sendo variável porque a Lua pode estar a distâncias orbitais diferentes, poluição atmosférica, reflexão nos objectos locais, altitude no horizonte, etc. As luas cheias têm luminosidade suficiente para permitir actividades nocturnas, como colheitas, caça e pesca e até rituais religioso, daí algumas delas terem nomes tradicionais.Ver este artigo 'How bright is moonlight?'.
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lúmen (lm)
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medida do fluxo de luz de um emissor
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candela (cd)
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Intensidade de iluminação numa determinada direção. Lúmen por/esterorradiano (Equivale ao ângulo sólido formado por um cone tal que a área da esfera de raio unitário, cujo centro fica no ápice deste cone, tenha o valor de um metro quadrado)
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lux
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Valor dos lúmen projectados numa superfície de 1 metro quadrado, Luminância = candelas/distância^2
Toma-se como valor de referência 0.25 lux para luminosidade útil (norma ANSI/PLATO FL 1). Os lúmens e candelas são geralmente fornecidas pelos os fabricantes de lanternas de qualidade. Os lúmens não contam a história toda, porque a performance final tem que ter em conta a qualidade do vidro frontal e da caixa reflectora, um pouco à semelhança dos telescópios e binóculos. Uma lanterna com o mesmo emissor pode ser concebida para ter um foco mais apertado e intenso ou mais espalhado e menos intenso. A utilização de um difusor permite alterar a curva de distribuição de uma lanterna, espalhando por mais área e encurtando a distância do foco.
Pátio 371 - É bom ser rei *
2024.08.15
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
Noite de Verão agradável, sem vento ou humidade, com a Lua já gibosa, transparência baixa, turbulência relativamente baixa e uma magnitude zenital visual perto 2 (a sério!).
Fiz mais uma visita à constelação de Cefeu (Cepheus) que está neste momento a atravessar o meridiano a meio da noite. O nome é o do mitológico rei da Etiópia, Cepheus, que não por coincidência é casado com a Cassiopeia, com quem teve uma filha chamada Andromeda. O vizinho Cisne deve ser para degustar nalgum banquete real. Esta constelação (obviamente) tem muitos tesouros, com metade a sua área atravessada pelo o Braço Local da Via Láctea, não havendo falta de estrelas, gás e poeira, os ingredientes responsáveis por vastas áreas de nebulosas de emissão e reflexão, de onde até se consegue esgueirar algumas galáxias.
Apesar das condições de observação, faço sempre algumas rápidas visitas visuais, mas sem grandes expectativas, por diversos objectos até chegar a estrela brilhante perto da área que me interessa, na qual foco a câmara. A relação focal do telescópio f/3.8 é tão sensível, que se torna quase obrigatório verificar o foco em cada posição do tubo, pois o espelho primário é móvel e pode eventualmente deslocar-se ligeiramente. Como é costume fui revisitar algumas estrelas interessantes antes de passar para os objectos de céu profundo.
Beta Cephei "Alfirk"
Esta é uma jovem estrela subgigante azul (B1IV) com cerca de 7-12 massas solares. É variável, pulsando nm período de 4h34min, variando visualmente o seu brilho em 0.11 magnitudes, e também um sistema múltiplo (triplo) com uma estrela de 8.6 (outra subgigante) separada em 13.6", e ainda outra subgigante com 5 massas solares apenas detectada por espectroscopia, e posteriormente medida por interferometria ("Speckle"), estando separada 0.25" da primária, e com a qual foi determinada uma órbita de 81 anos. Este sistema triplo está a 210 pc (~685 anos-luz). Ver aqui uma imagem do ano passado com menor exposição, onde se pode ver a estrela companheira.
Beta Cephei "Alfirk"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 2.5 min (5x30s) ISO 800
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Mu Cephei "Garnet Star"
Retornei a esta extraordinária estrela supergigante. Ler aqui o curto ensaio que lhe fiz há cerca de um ano.
Mu Cephei
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 2.5 min (5x30s) ISO 800
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Delta Cephei
Esta estrela histórica não é menos extraordinária e também se pode ler aqui o pequeno ensaio que lhe fiz.
Delta Cephei
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 2.5 min (5x30s) ISO 800
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Enxame aberto NGC 6939 "Ghost Bush Cluster"
Este enxame aberto é bastante rico e relativamente condensado, e faz par estético com a galáxia NGC 6946 abaixo estando separados apenas por 40', fazendo um bom alvo para um binóculo sob um céu escuro. Este enxame está obscurecido em 1.6 magnitudes devido à poeira interestelar da região norte/centro da constelação do Cisne.
Esta publicação de 2022 coloca-o a 1716±87 pc (~5600 anos-luz) e atribui-lhe uma idade de 1.5±0.2 mil milhões de anos.
Enxame aberto NGC 6939
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 6 min (12x30s) ISO 800
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Galáxia NGC 6946 (SABcd) "Fireworks Galaxy"
A galáxia NGC 6946 (SABcd) está dividida ao meio pelo limite das constelações de Cisne e Cefeu, tem um braço espiral proeminente com muita actividade de formação de estrelas ("starburst"). É também conhecida por "Fireworks/Firecracker Galaxy", numa tradução directa "Galáxia fogo de artifício", por ter sido hospedeira de um número pouco usual de supernovae, onde desde 1948 foram observadas nada menos que 10!, com a última a acontecer em 2017.
Por se encontrar perto do plano da Galáxia (12º), está fortemente obscurecida por poeira interestelar ("Redenning") em cerca de 1.6 magnitudes, afectando a sua cor aparente, tornando-a um pouco mais avermelhada como a imagem abaixo bem evidencia. Está situada a 7.72±0.32 Mpc (25.2±1.0 milhões anos-luz), pertencendo ao Superenxame Local, mas está aparentemente isolada.
A estrela avermelhada lá perto, pelas 8 horas, é a V778 Cyg, uma estrela de carbono (C4,5J(N)) que varia entre as magnitudes 11.6-13.5.
Galáxia NGC 6946 "Fireworks Galaxy"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 60 min (120x30s) ISO 1600
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Nebulosa NGC 7023 "Iris"
Voltei a fazer a imagem desta nebulosa de reflexão mas com esta configuração. Com mais de uma hora e meia de exposição, a parte de emissão (vermelha/h-alpha) ficou pelo caminho, a câmara é pouco ou nada sensível ao h-alpha, agravado pelo o luar e muito baixo contraste do céu, mas para compensar, a resolução teve um salto significativo.
Nebulosa NGC 7023 "Iris"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 96 min (192x30s) ISO 1600
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Pátio 372 - O Triângulo de verão
2024.08.25
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
Noite inesperada, sem nuvens ou neblinas até pouco depois da 1 da manhã, altura em que a Lua já se tinha erguido no horizonte. Baixa transparência, com a magnitude estelar a não chegar a 3 nas partes mais escuras do céu.
Continuando nas constelações de Cefeu e do Cisne, fiz mais alguns instantâneos de objectos interessantes que estavam suficientemente altos para escapar do globo de poluição luminosa, passando também pela a constelação Raposa para fazer uma rápida visita à grande planetária Messier 27.
Olhando para o zénite deste céu poluído, não deixei de notar no culminar do "Triângulo de verão", formado pelas as brilhantes estrelas Vega da Lira, Deneb do Cisne e Altair da Águia, que de resto pode-se até ver no meio de uma cidade, e fiz a imagens das estrelas que faltavam. Depois de ver a carta abaixo tentar vê-lo nesta imagem que lhe fiz em 2022.
Triângulo de Verão
Binóculo Fujinon 7x50 7.5° mag. 4
Guide 9.1, ps2pdf e Pixelmator Pro
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Alpha Cygni "Deneb"
A Alpha Cygni é um supergigante azul (A2Ia) de magnitude 1.25 a 802±66 pc (2.615±215 anos-luz), 196000±32000 L☉ e 19±4 M☉. Como é o caso de todas as supergigantes, estes valores são muito incertos sendo também ligeiramente variável (ΔV≲0.15 mag) num período de 40 dias. A sua magnitude absoluta estima-se que seja −8.4, facto que a torna numa das estrelas intrinsecamente mais brilhante da nossa Galáxia. Se estivesse à distância de Vega (Alpha Lyrae) a 7.68 pc, teria um brilho aparente de -8.9! (-8.4+5xlog(7.68)-5), e seria facilmente visível a olho nu em pleno dia.
Alpha Cygni "Deneb"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 3 min (6x30s) ISO 800
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Alpha Aquilae "Altair"
Faltava esta estrela para completar a foto de grupo do famoso asterismo "Triângulo de verão". Constituído por estrelas de primeira magnitude, é o único asterismo que consigo observar a olho nu aqui do pátio é infelizmente até demasiado fácil, porque não sobram muito mais estrelas visíveis.
A Altair é uma anã branco-amarelada (A7Vn) com 0.76 de magnitude. Tem uma massa de 1.86±0.03 M☉, raio 1.63–2.03 R☉ (o raio polar 25% menor que o equatorial), luminosidade de 10.6 L☉ e uma temperatura de 6860–8621 K. Está situada a 5.13±0.01 pc (16.73±0.05 anos-luz), sendo a mais próxima do asterismo.
À semelhança do nosso Sol, é uma estrela que se encontra na sequência principal (a fundir hélio), mas com apenas 100 milhões de anos de idade, com uma rotação muito alta, fazendo uma volta completa em menos de 8 horas (o Sol demora 25 dias), que faz com que fique achatada nos pólos, facto que já foi comprovado por imagem direta usando interferómetros.
Reparar na diferença subtil de cor com a Deneb acima.
Alpha Aquilae "Altair"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 3 min (6x30s) ISO 800
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Enxame aberto Messier 39 (NGC 7092)
O enxame aberto Messier 39 (III2m) é visível olho nu num céu escuro, e fica bem enquadrado num campo de 2 graus num telescópio. Apesar de aparentar ser muito esparso com estrelas muito quentes e brilhantes do tipo B e A, na realidade tem mais 350 estrelas distribuídas em 9 anos-luz. Está relativamente perto, a 311 pc (1014 anos-luz) e tem uma idade estimada 400 milhões de anos.
Enxame aberto Messier 39 (NGC 7092)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 16 min (32x30s) ISO 800
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Nebulosa planetária NGC 7008 "Fetus Nebula"
A nebulosa planetária NGC 7008 foi descoberta William Herschel em 1787, que no entanto não a classificou como nebulosa planetária devido à sua forma um pouco peculiar, não arredondada. Herschel classificava como planetárias se fossem semelhantes ao planeta Urano, só em 1864 se percebeu a sua verdadeira natureza após William Huggins apontar um espectrometro para outra planetária, a NGC 6543 e verificou que era um objecto constituído por gás.
Eu tentei observá-la visualmente mas obviamente sem grande sorte, apesar de ter sido evidente a estrela dupla (HD 235422), constituída por uma estrela laranja e outra branca separadas em 16", mesmo junto à nebulosa. O seu nome comum de "Nebulosa do Feto" é bastante descritivo do que se pode ver na imagem ou em telescópios de grande abertura. Apesar de pertencer à constelação de Cisne está muito perto da fronteira com a constelação de Cefeu, ficando quase a meio caminho das correspondentes estrelas alfa.
O Gaia EDR3 tem para a estrela central (Gaia DR3 2188752549939971200) um valor de paralaxe de 1.5543± 0.0754 mas, que corresponde a uma distância de 643.4.1±0.0132 pc (~2100 anos-luz). A magnitude média não filtrada (G) é 13.7410±0.0024. Curiosamente o DR3 dá a probabilidade 66% de ser um quasar!, o que me faz pensar que deverá ter um espectro muito peculiar. Também está no catálogo 2MASS 21003279+5432352.
Nebulosa planetária NGC 7008 "Fetus Nebula"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 32 min (64x30s) ISO 800
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Nebulosa planetária Messier 27 (NGC 6853)
Nunca perco uma oportunidade para observar a grandiosa nebulosa planetária da constelação da Raposa (Vulpecula), e por na altura estar prestes a cruzar o meridiano, fiz mais uma imagem da Messier 27.
Esta nebulosa foi descoberta por Charles Messier em 12 de Julho de 1764, e foi a primeira deste tipo a ser descoberta. Também é conhecida também por "Nebulosa do Haltere", tradução direta de "Dumbell", ou "Nebulosa do Ampulheta", tradução de "Hourglass", devido à sua aparência muito parecida com estes objectos. Em magnitude visual e tamanho apenas fica atrás da mais próxima "Nebulosa Helix", uma décima de magnitude mais brilhante, mas que no entanto espalhada numa área 4 vezes maior, logo visualmente muito mais ténue.
O Gaia EDR3 tem para a estrela central (Gaia DR3 1827256624493300096) um valor de paralaxe de 2.5700±0.0373 mas, que corresponde a uma distância de 389.1±0.0268 pc (~1269 anos-luz), que também é a distância desta nebulosa. A magnitude média não filtrada (G) é 14.0373±0.0005.
A aparente complexidade resulta na justaposição de várias camadas de gás expelido pela a estrela, das quais três são visíveis na imagem e uma outra exterior muito ténue, apenas descoberta em 1991 (obviamente não captada) que à distância de 1270 anos-luz lhe dá um tamanho de 6 anos-luz. A estrela central de magnitude ~13.5, que neste caso está precisamente no centro da nebulosa, é o núcleo extremamente denso e exposto que sobreviveu às diversas explosões das diversas conchas de gás de uma estrela supergigante vermelha.
A anã branca (núcleo estelar) tem 0.045±0.004 R⊙ e 0.56±0.02 M⊙, mas é muito quente (+100000 K) sendo responsável pela a intensa radiação ultra-violeta que iluminam as imensas nuvens de gás expelido à sua volta. A cor verde-azulada que domina esta imagem é causada pela a ionização de oxigénio (OIII) e também nitrogénio (HeII), a cor vermelha é H-alpha ou Hα emitido pelo hidrogénio, não muito representado devido à pouca sensibilidade da câmara. Esta imagem feita com filtro RGB e H-alpha mostra uma nebulosa significativamente diferente.
Nebulosa planetária Messier 27 (NGC 6853)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 30 min (60x30s) ISO 1600
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Ligações para imagens desta planetárias ao longo de mais de 20 anos
Enxame aberto Messier 52 (NGC 7654)
Por esta altura, a constelação de Cefeu já se encontrava mais alta, e fui visitar a única "nebula" que Messier achou digno de incluir no seu catálogo.
Este enxame aberto Messier 52 (I2r) é um alvo interessante em qualquer instrumento, aumentando o número de estrelas resolvidas com cada aumento de abertura. Está a 5350 anos-luz, que faz aparentar ser muito condensado, com muitas estrelas de magnitude entre 12-14 espalhadas num raio de 25 anos-luz. Abaixo no canto inferior esquerdo, um pouco abaixo da estrela amarela brilhante está o menos óbvio enxame aberto Czernik 39
Enxame aberto Messier 52 (NGC 7654)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 15 min (30x30s) ISO 800
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Nebulosa NGC 7635 "Bubble Nebula"
Muito perto, a apenas meio grau do Messier 52, está um dos objectos mais populares pelos astrofotógrafos.
Apesar de ser fútil tentar captar emissões HII (hidrogénio ionizado) com esta câmara, investi 1 hora de exposições (120) para ver se conseguia alguma coisa... e efetivamente muito pouco ficou registado deste tipo de radiação, mas a "bolha" ficou razoavelmente aparente. Esta "bolha" é gerada por uma onda de choque com o meio interestelar criada pelo vento estelar rápido e quente de uma jovem estrela quente do tipo O6.5(n)fp SAO 20575, com apenas 2 milhões de anos de idade, +35000 K de temperatura e 27±7 M⊙. Esta região HII galáctica assim como a estrela que a ioniza estão a 2.5±0.2 kpc (-8000 anos-luz).
Nebulosa NGC 7635 "Bubble Nebula"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 60 min (120x30s) ISO 1600
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Bibliografia e recursos:
Sobre distâncias (II) - A Paralaxe estelar
A paralaxe, palavra originada do grego que significa alteração, é extraordinariamente simples de demonstrar: basta por um dedo à frente do nariz e observar alternadamente com cada olho.
O que se pode facilmente observar é que o dedo aparenta ter uma posição diferente conforme o olho que a está ver. e à medida que afastamos o dedo, facilmente verificamos que a diferença de posição é cada vez menor. Em alternativa, se fosse possível alterar a distância entre os olhos e manter o dedo à mesma distância verificava-se que a diferença de posição seria maior. Também é importante salientar que a posição muda em relação a outros objectos que se encontram mais afastados (por exemplo um poste de electricidade a 500 m), porque se estiverem suficientes afastados parecem que estão imóveis!. Isto é importante para realmente se conseguir medir a diferença de posição do objecto em causa.
É exatamente este conceito que os astrónomos usam para medir as distâncias às estrelas que estão mesmo muito distantes que tem diferenças tão diminutas que é necessário distanciar os "olhos" 300 milhões km - na realidade os "olhos" são telescópios e a distância são dois pontos de órbita da Terra (onde está montado o telescópio) e finalmente o dedo é a estrela.
Depois de saber o diâmetro da órbita da Terra (2 AU), pode-se usar este valor como base para fazer 2 medições de posição espaçadas em meio ano, ou por outras palavras, registar a diferença de posição da estrela em duas posições da órbita separadas em 2 AU (~300 milhões km). Medem a posição em relação as estrelas de fundo que se encontram muito mais distantes que aparentam estar "fixas". É menos complicado do que parece, o que não falta é estrelas na nossa galáxia e todas elas bem distantes, bem para lá da paralaxe que se consegue medir com este método.
O movimento da Terra à volta do Sol cria um movimento aparente das estrelas próximas, esse movimento forma uma elipse muito pequena (circunferência se a estrela estiver no polo da eclíptica) que tem um tamanho angular π em segundos de arco (") (não tem nada a ver com Pi da trigonometria), na prática o que se mede é o tamanho do eixo maior dessa elipse, que não é mais que projeção da órbita da Terra à distância da estrela observada. A figura tem os valores bastante exagerados para mostrar melhor o conceito, se se quiser ter a noção do tamanho do ângulo da Proxima Centauri, esticar a figura da esquerda cerca de 261000 vezes puxando pelo vértice da estrela... eu ajudo a visualizar - seria preciso um ecrã com quase 4 km de comprimento...
Abaixo fica a fórmula para calcular a distância:
π = 206265"/d
ou
d(AU) = 206265 AU/π
ou
d(pc) = 1 pc/π (reciproco da paralaxe π)
1 parsec (pc) é a distância a que uma estrela que tenha um ângulo de paralaxe π igual a 1" ou a distância que 1 AU subtende num ângulo de 1". Desta definição deduz-se também que 1 parsec tem 206265 AU (3.2615 anos-luz) e que 1 radiano tem 206265". Esta unidade é usada na literatura profissional porque corresponde diretamente a um valor que é observado pelos os astrónomos - a paralaxe ()π), não o tempo que a luz demora a percorrer essa distância. Este último poderá ser um pouco mais esclarecedor para o público em geral, apesar da velocidade da luz ser quase 300 mil km/s e ser díficil de sequer imaginar.
O radiano (rad) é o ângulo definido num círculo por um arco de circunferência com o mesmo comprimento do raio desse círculo.
Este ângulo π é sempre muito pequeno, menor que 1", mesmo a a anã vermelha Proxima Centauri (mag. ~11), a estrela actualmente mais próxima do nosso Sol tem apenas 0.7723±0.0024" que corresponde a uma distância de 1.295±0.004 pc (~4.22 anos-luz), esta distância é facilmente calculada pois corresponde ao número reciproco da paralaxe (1/0.7723). Todas as estrelas próximas detectadas até à data têm ângulos menores.
Usando telescópios baseados na Terra, a paralaxe mínima que pode ser medida é cerca de 0.02" devido à turbulência atmosfera, limitando a cerca de 20 pc (~65 anos-luz) e talvez a 200 estrelas com brilho suficiente para serem medidas. Mesmo as medições feitas no espaço, com o satélite Hipparcos, que mediu cerca de 50000 estrelas com erro inferior a 20%, apenas pode ter alguma precisão com estrelas distanciadas até 200 pc (~650 anos-luz).
Entretanto, a recente missão espacial do satélite Gaia da ESA, que para além do instrumento astrométrico para medir as paralaxes com uma precisão de milésimos de segundo arco (0.001"), combina ainda um instrumento fotométrico para medir as propriedades das estrelas como temperatura e composição e um instrumento de espectroscopia para medir velocidades radiais. Com todo este aparato, vai medir as posições, distâncias e movimentos de milhares de milhões de estrelas. Cerca de 10 milhões irão ser medidas com uma precisão melhor que 1%, e 100 milhões com uma precisão melhor que 10%, o que vai permitir mapear grande parte da nossa galáxia. E pelo caminho irá descobrir exoplanetas (tanto por astrometria como por fotometria), anãs brancas e castanhas, e provavelmente outros objectos exóticos.
Se consultarmos para o registo de observação do Gaia EDR3 (Early Data Release 3) de 2020, a última publicação à data da Proxima Centauri temos uma paralaxe de 0.7680665±0.0000499" que corresponde a uma distância de 1.302±0.0000 pc (4.2465±0.0003 anos-luz) e já agora pode-se também constatar que tem um movimento próprio total de 3.86" por ano, e pelos valores dos índices de cor é bem vermelha...
Aqui estão alguns programas para calculadoras RPN (HP-11/15) para resolver rapidamente algumas das equações.
Bibliografia e recursos:
Pátio 373 - O Cavalo Celeste
2024.09.02
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
Noite muito ventosa, com muitas nuvens a passar, com a consequência de perder muitas exposições e das que sobraram muito pouca resolução em geral. Desta vez apontei para a constelação do Pégaso (Pegasus), com um pequeno desvio para a Seta (Sagitta).
Epsilon Pegasi "Enif"
A Epsilon Pegasi de magnitude 2.39 é uma supergigante vermelha K2Ib a 211±8 pc (690±20 anos-luz), com 11–12 M☉, 169–185 R☉ e 8.508±596 L☉. Se estivesse no lugar do nosso Sol aparentaria ser 80 vezes maior... e por vezes tem algumas raras erupções que a tornam 5 vezes mais brilhante que o normal, sendo classificada como uma variável irregular lenta.
Epsilon Pegasi "Enif"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 3 min (6x30s) ISO 800
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Enxame globular Messier 71 (NGC 6838)
O único objecto da lista de Messier da pequena constelação da Seta (Sagitta).
O enxame globular Messier 71 (XI), como a sua classificação (XI) indica, é tão pouco concentrado que se pode confundir com um enxame aberto muito "rico". Tendo apenas 18 anos-luz de diâmetro e a uma distância de 13000 anos-luz, é muito pequeno, estando também muito obscurecido pela a Galáxia como é bem aparente na imagem. Visualmente, consegue-se resolver bastantes estrelas com pequenas aberturas pois começam a brilhar a 12.1 de magnitude.
Enxame globular Messier 71 (NGC 6838)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 17.5 min (35x30s) ISO 800
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Enxame globular Messier 15 (NGC 7078)
O enxame globular Messier 15 (IV) na constelação de Pégaso (Pegasus) está muito perto da "Enif" servindo esta de referência na sua procura manual, mas é suficientemente brilhante e compacto para se notar a olho nu com sua magnitude integrada de 6, apesar das estrelas mais brilhantes começarem na magnitude 12.6. É um dos maiores globulares do halo galáctico intermédio, com um diâmetro de 180 anos-luz e uma distância de 34900 anos-luz.
Foi neste globular que foi descoberta a primeira nebulosa planetária deste tipo de enxame, a Pease 1 (não visível na imagem), sendo no entanto um alvo desafiante para grandes aberturas num céu escuro e um filtro OIII para ajudar a identificar.
Enxame globular Messier 15 (NGC 7078)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 25.5 min (51x30s) ISO 800
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Galáxia NGC 7331 e Quinteto de "Stephan"
O Galáxia NGC 7331 SA(s)b é maior galáxia do grupo homónimo, apesar das galáxias visíveis lá perto (NGC 7335, 7336, 7337 e 7340) serem galáxias de "fundo", muito mais distantes e sem qualquer interacção física. Está situado a 16 Mpc (52 milhões anos-luz).
A NGC 7331 tem algumas característica relativamente invulgares, devido a ter provavelmente sofrido uma fusão no seu passado longínquo: o seu bojo central tem um centro de gás que roda mais rápido, e a totalidade do bojo, que também está rodeado de estrelas jovens, roda em sentido contrário do resto do disco.
O Quinteto de "Stephan" é um grupo compacto de galáxias conhecido formalmente por Hickson (HCG) 92 do qual são membro as galáxias NGC 7317 (E4), 7318A (E2), 7318B (SB(s)bc), 7319 (SB(s)bc pec) e 7320B/C ((R)SAB(s)0/a) que não pertence fisicamente ao grupo. Este grupo de galáxias de 14 a 16 de magnitude foi descoberto por Édouard Stephan em 1877 no Observatório de Marselha, França, sendo historicamente o primeiro grupo compacto a ser descoberto.
Ver uma imagem de 2007 de grande campo.
Galáxia NGC 7331 & Quinteto de "Stephan"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 30 min (60x30s) ISO 1600
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Pátio 374 - Uma visita a Andrómeda (I)
2024.09.03
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
Sessão muito longa, com perto de oito horas exatamente o tempo entre os crepúsculos astronómicos, adicionados de mais 30 minutos para montar/desmontar os 50 kg do aparato. As nuvens apareceram após o crepúsculo, mas já andavam algumas nuvens altas sorrateiras... Andei pelas constelações do Cisne, Cassiopeia, Andromeda, Triângulo e Pégaso, selecionando alvos que durante a sessão estavam a passar o meridiano.
No fim da noite, e a oeste, o planeta Júpiter brilhava intensamente na constelação do Touro (Taurus) na companhia das Híades e as Plêiades e mais abaixo a constelação de Orion a começar a levantar-se anunciando o fim do verão.
Beta Andromedae "Mirach" e Galáxia NGC 404 "Mirachs's Ghost"
Eis um par improvável de uma estrela muito brilhante e uma pequena e redonda galáxia. Em telescópios com abertura superior a 20 cm pode ser difícil de observar devido ao brilho intenso da Mirach, daí o nome "Fantasma" que também se pode aplicar a uma reflexão interna do sistema óptico que por vezes surge nas fotografias ou nas oculares quando se está a apontar para um objecto de brilho intenso.
A β Andromedae M0IIIvar é uma gigante vermelha de magnitude média 2.07 (2.01-2.10) a 61 pc (~200 anos-luz). Foi diretamente medido o seu diâmetro angular que tem cerca de 0.012" que corresponde a 0.8 AU, quase o tamanho da órbita do planeta Vénus. Confirmou-se a existência de um planeta gigante com 28.26−2.17+2.0 massas de Júpiter numa órbita de período 663.87−4.31+4.61 dias a uma distância de 2.03±0.01 AU.
O galáxia NGC 404 (S0 ou SA0^-(s): LINER é uma anã elíptica (ou lenticular depende da fonte) situada a 2.98 Mpc (~10 milhões anos-luz) pertencendo a um pequeno grupo de galáxias da nuvem de Coma–Sculpto, que está relativamente isolada mas perto do Grupo Local, sendo a galáxia lenticular mais próxima da Via Láctea, e está a aproximar-se 45 km por segundo. Recentemente (2020) foi descoberto que tem um buraco negro central de massa intermédia.
Beta Andromedae & NGC 404 "Mirach's Ghost"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 30 min (60x30s) ISO 1600
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Nebulosa IC 5146 "Cocoon Nebula"
Fui experimentar fazer a imagem da famosa "Cocoon Nebula", "Nebulosa Casulo" em português, na constelação do Cisne. Esta nebulosa é um berçário de estrelas, com nebulosas de emissão, reflexão e escuras, no braço da Via Láctea cheio de estrelas e muita poeira interestelar.
A nebulosa IC 5146 é uma nuvem molecular com formação de estrelas muito próxima, a 657+34 pc (2142 anos-luz) onde se pode observar uma nebulosa de reflexão e uma nuvem negra com múltiplos filamentos ("dark Streamer"), onde existem cerca de 100 e 20 objectos estelares novos, young stellar objects (YSOs). No centro da nebulosa tem apenas uma estrela B1V (BD+46) de magnitude 9.6 que está rodeada pela um emissão HII conhecida por Sharpless 125, que aparentemente formou-se primeiro e está situada à frente da nuvem molecular que lhe deu origem, e que deu origem à cavidade ionizada. As estrelas da IC 5146 foram formadas por uma densa nuvem molecular á frente que foi dissipada quando a (BD+46) surgiu.
Usei o ganho ISO 3200 da câmara, aproveitando estar de passagem pelo o meridiano (quando está mais alta) para tentar captar o máximo possível da nebulosa, assim como 176 exposições para compensar o ruído produzido por tão alto ganho. Podia ter ficado pior, especialmente num céu que não chegou a 3 de magnitude no zénite.
Nebulosa IC 5146 "Cocoon Nebula"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 88 min (176x30s) ISO 3200
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Enxame aberto NGC 7789 "Caroline's Rose"
Na constelação de Cassiopeia é possível encontrar um dos melhores exemplos de um enxame aberto "rico", o enxame aberto NGC 7789 (II1r), a meu ver é uma lacuna flagrante na lista de Messier tendo em conta muito dos enxames bem menos impressionantes que lá constam.
Foi descoberto em 1783 por Caroline Herschel, irmã de William Herschel, de quem era assistente nas observações astronómicas, mas que também individualmente descobriu vários outros objectos e 5 cometas. Foi a primeira mulher astrónoma profissional (paga).
Notar que as estrelas mais brilhantes, pouco mais de uma dúzia entre 12 e 13 de magnitude, são já gigantes e sub-gigantes vermelhas, que é o que se pode esperar da evolução das estrelas mais massivas num enxame com esta idade. Visualmente, é um dos mais interessantes enxames abertos que se pode observar em qualquer abertura, mas especialmente com oculares que proporcionem um grande campo, pelo menos 2 graus, pois está numa região também ela muito rica em estrelas.
Este enxame tem cerca de 1.6 mil milhões de anos de idade, contém -3000 estrelas (até magnitude 21) que o torna um dos mais ricos da nossa Galáxia. Está situado a 2067±4 pc (~6740 anos-luz).
Enxame aberto NGC 7789 "Caroline's Rose"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 33.5 min (67x30s) ISO 800
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Enxame globular Messier 2 (NGC 7089)
Na constelação do Aquário (Aquarius) encontra-se o enxame globular Messier 2 (II) que é um dos mais concentrados e massivos do catalogo de Messier e está a uma distância de 37200 anos-luz, com 1.5 milhões de estrelas com uma massa de 900 mil massas solares. À distância mencionada estamos a ver um diâmetro de quase 180 anos-luz.
A órbita deste enxame é muito excêntrica (e=0.94), fazendo uma revolução a cada 214 milhões de anos, passando muito perto do centro da nossa Galáxia a 1900 anos-luz, altura que deverá sofrer efeito de maré que só não o desintegrou devido à sua grande massa, mas foram detetadas estrelas que no entanto conseguiram escapar assim, notando "caudas de maré" ("tidal tails") tanto à frente como a atrás na sua órbita. No seu ponto mais afastado distancia-se quase 62000 anos-luz.
É possível que este enxame se tenha formado na hipotética fusão da Via Láctea com uma galáxia anã Gaia-Enceladus, evento que poderá ter ocorrido há cerca de 10 mil milhões de anos que também pode explicar a presença de enxames de estrelas azuis e estrelas escassamente espalhadas que formam o halo quase esférico, assim como o ténue gás que rodeia toda a nossa Galáxia.
Enxame globular Messier 2 (NGC 7089)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 29 min (58x30s) ISO 800
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Galáxia NGC 185
Também em Cassiopeiam mas junto do limite com a Andróemeda, a galáxia anã elíptica NGC 185 (dSph/dE3) conjuntamente com a NGC 205 (Messier 110) e a NGC 147) são as três anãs elípticas do nosso Grupo Local, todas elas satélites da galáxia Andromeda (Messier 31). É possível observar na imagem a presença de poeira, é pelo menos uma pequena mancha escura perto do centro, com grande quantidade de gá neutro e estrelas formadas à menos de 100 milhões de anos. Uma estimativa recente coloca-a (23.95±0.09) 616 kpc (~2.0 milhões anos-luz) e separada do centro da Messier 31 em 187 kpc (600 mil anos-luz). O núcleo é activo com um buraco negro supermassivo sendo classificada como uma galáxio do tipo "Seyfert".
Ficaram também registadas uma pequena galáxia peculiar (UGC 378) de magnitude 16-17 às 10 horas e outra pelas 5 e meia, pequena mas brilhante do catálogo 2MASS, 2MASX J00385452+4828030.
Galáxia NGC 185
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 33 min (66x30s) ISO 800
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Galáxia Messier 33 (NGC 598) "Galáxia do Triângulo"
A Galáxia espiral Messier 33 (Sbc ou SA(s)cd HII) é a terceira maior galáxia do Grupo Local com cerca de 60000 anos-luz de diâmetro. À semelhança do Grande Nuvem de Magalhães, que tem uma massa ligeiramente menor, esta galáxia é a maior satélite da Messier 31, mas esá muito mais afastada. Existem indícios de envolvimento dinâmico no grupo da Messier 31, como uma distorção proeminente no gás e estrelas do seu disco exterior e correspondente "ponte" de HI (hidrogénio não ionizado). Está situada entre 2.74 e 2.80 milhões de anos-luz.
A Messier 33 está activamente a formar estrelas em todo o seu disco, resultando no seu aspecto visual floculento devido a enxames de estrelas jovens, misturados com regiões de HII (hidrogénio ionizado). Algumas dessas regiões são tão proeminentes que até tem NGC atribuídos, o NGC 604 (aquela concentração às 10 horas), assim como o NGC 595 (pelas 2 horas), e também outras regiões mais pequenas, as IC 135, 136, 137, 142, 143 e 342. As estrelas mais antigas (com mais de 1000 milhões de anos) traçam uma morfologia de uma galáxia barrada com dois braços espirais visíveis.
Não tem um buraco negro massivo no seu núcleo, mas tem um sistema estelar massivo, o M33 X-7, de uma estrela supergigante O6III de 70 massas solares a ser orbitada por um buraco um buraco 16 massas solares cada 3.45 dias que eventualmente vão-se mesclar ("merge"). É o único sistema binário raios-X de eclipse causado por uma sombra de um buraco negro! De notar que esta estrela tem uma magnitude de 18.7.
A Messier 33 é provavelmente o objecto mais distante (2.80 milhões de anos-luz) que se pode observar a olho nu, mas requer um céu muito escuro e transparente. Num céu decente, qualquer binóculo consegue destacar facilmente a sua forma oval, mas uma abertura de 80mm ou mais já pode começar a mostrar alguma estrutura dos braços espirais.
Messier 33 (NGC 598) "Galáxia do Triângulo"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 64.5 min (129x30s) ISO 800
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Pátio 375 - Uma visita a Andrómeda (II)
2024.09.06
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
Sessão dedicada a capturar as restantes galáxias satélite mais brilhantes do grupo da galáxia Andrómeda. Não sem antes passar por mais uma estrela.
Gamma Andromedae "Almach"
O Gamma (γ1) Andromedae K2+IIb é uma estrela dupla de 2ª magnitude (2.26) separada por 9.5" da γ2 Andromedae uma anã azul (B9.5V/B9.5V) de magnitude 5.02, que na imagem está completamente afogada pela primária e que por sua vez também ela binária - formam um bonito par telescópico. De facto é um sistema quádruplo e possivelmente poderá ter ainda mais estrelas. Segundo o Hipparcos a γ1 está 120 pc (~390 anos-luz) e a γ2 no EDR3 a distância de 82.834±6.5554 pc (~267 anos-luz).
Gamma Andromedae "Almach"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 3.5 min (7x30s) ISO 1600
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Galáxia NGC 147
Retornando à constelação de Cassiopeia, fui visitar a outra galáxia satélite que pode ou não ser companheira física da NGC 185 apesar de estarem distanciadas cerca de um grau no céu. A galáxia anã elíptica NGC 147 (dSph/dE5) está a 676 pc 24.15±0.09 (2.2 milhões anos-luz) e distanciada 142 kpc (463 mil anos-luz) da Messier 31. Apesar de ter um luminosidade semelhante à da NGC 185, tem um raio maior e uma composição de estrelas muito diferente, com idade superior a mil milhões de anos e também quantidades pouco significativas de poeira e gás.
Galáxia NGC 147
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 33 min (66x30s) ISO 800
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Galáxia Messier 32 (NGC 221)
A Galáxia Messier 32 (E2) é uma elíptica compacta de tamanho intermédio que aparenta estar muito próxima da Messier 31. De facto, numa publicação, a Messier 31 tem um módulo de distância de 24.38±0.06 e a Messier 32 de 24.53±0.21 mas separada em 23 kpc, colocando ambas a cerca de 2.5 milhões de anos-luz. Foi proposto em 2018 que o que se observa hoje é o resta do núcleo de uma galáxia bem maior, que se aproximou demais da Messier 31 há cerca de 2 mil milhões de anos-luz, que pode ajudar a explicar algumas peculiaridades observadas como o fluxo de estrelas com a M31 e a rotação do halo da M32.
Como a imagem também mostra, já não há formação activa de estrelas devido não ter muito gás disponível, quase totalmente saqueado no trágico encontro galáctico. Quase todas as estrelas são muito antigas com idades entre 8 a 10 mil milhões de anos. Tem um buraco negro massivo central de 2.5 milhões de massas solares, congruente com uma galáxia muito maior no seu passado, mas não parece muito activa (no rádio e raios-X), pois já não resta muito para "comer".
No entanto, no núcleo a concentração de estrelas por anos-luz cúbico é de 1500 estrelas, impressionante se compararmos que o Sol é a única estrela num cubo de 8 anos-luz, que se pode inferir por a estrela mais próxima, a Proxima Centauri, estar a mais de 4 anos-luz do nosso Sol. Deve ser uma noite espectacular com tantas estrelas brilhantes no céu e com uma vista ímpar da sua vizinha gigante a apenas 23 kpc (75000 anos-luz)!
Galáxia Messier 32 (NGC 221)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 30 min (60x30s) ISO 800
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Galáxia Messier 110 (NGC 205)
Este é o último objectos a da lista de Messier, apesar não lhe ter ocorrido adicionar à sua lista quando o descobriu em 1773. A Caroline Herschel também fez descoberta independente em 1783. Só em 1966 Kenneth Glyn Jones, um notável astrónomo amador, sugeriu que lhe fosse atribuído o número 110, ficando assim a lista encerrada. Num céu escuro basta um binóculo de 50mm para notar a sua forma oval.
A Galáxia esferoidal anã Messier 110 (dSph Irr) está situada um pouco mais atrás da Messier 31, com um módulo de distância de 24.58±0.07 (2.69 milhões de anos-luz) e distanciada desta última 42 kpc (137000 anos-luz).
Estando um pouco mais afastada da Messier 31, ainda lhe resta alguma matéria interestelar que lhe permite ainda ter formação de estrelas, mas à semelhança da Messier 32, a grande maioria das estrelas é avermelhada e nascidas há mais de 10 mil milhões de anos, pertencendo ao que se chama População II, estrelas velhas com relativa baixa percentagem de "metais", o Sol por exemplo é da população I, com mais metalicidade, estando ainda por descobrir uma estrela da população III, pois foram as primeiras estrelas do Universo que só são constituídas por hidrogénio e hélio (o gás primordial), e provalvelmente já há muito que todas explodiram por serem todas de grande mass, mas existe a possibilidade remota de estrelas originais de 0.8 massas solares ou menos possam ainda existir na nossa Galáxia. Este conceito de populações estelares foi proposto por Walter Baade quando em 1944 estudou esta e a Messier 32 nas quais conseguiu resolver estrelas usando o telescópio Hooker de 2.5m no Mt. Wilson, Los Angeles durante os "blackouts" da II Guerra Mundial.
Na imagem é possível encontrar registados alguns enxames globulares, que foram descobertos (8) numa fotografia feita por Edwin Hubble em 1932, que de resto parecem pontuais como as estrelas, mas relativamente mais ténues que a magnitude estelar correspondente. Começando no mais brilhante, G 73 de magnitude 14.9, G 41 de 16.5, G 51 e G 61 ambos de 16.9.
Galáxia Messier 110 (NGC 205)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 32 min (64x30s) ISO 800
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Bibliografia e recursos:
Pátio 376 - Cassiopeia e família
2024.09.14
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
Noite aparentemente limpa, mas com muitos aerossóis devido aos diversos fogos que infelizmente assolaram a região, que de resto afetaram a transparência e causaram turbulência atmosférica, para além do habitual céu Bortle "10"...
WZ Cassiopeiae
A WZ Cassiopeiae C-N7 III: C2 2 Li 10 é uma estrela gigante vermelha de carbono que segundo o Gaia EDR3 está distanciada 471 pc (paralaxe 2.1227±0.0297, 1536 anos-luz), com 600xR☉, 12400xL☉ e temperatura de 3095 K. Varia de brilho entre 6.3 e 8.8, em períodos de 186 e 366 dias, sendo classificada como semi-regular (SRb). Também faz parte de um sistema múltiplo com a estrela B5 de 8.8 magnitude separada atualmente 57.82", apesar de não ser provável ter envolvimento dinâmico.
As estrelas de carbono são estrelas tipicamente gigantes, embora existam também anãs e supergigantes, que se encontram na chamada fase AGB (Asymptotic Giant Branch), estrelas já na sua fase de "queima" de hélio, que na sua atmosfera têm relativamente mais carbono do que oxigénio, formando estes monóxido de carbono esgotando assim o oxigénio (daí a menor presença), restando no final carbono livre para formar compostos sólidos na sua superfície, que ajudam a causar a sua intensa mas escura cor vermelha rubi.
WZ Cassiopeiae
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 3.5 min (7x30s) ISO 1600
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Enxame aberto Messier 103 (NGC 581)
Este foi o último objecto adicionado à lista original de Messier, descoberto por Pierre Méchain em 1781. O enxame aberto Messier 103 (II3m) tem cerca de 22 milhões de anos e está situado a 2502.0 pc (~8160 anos-luz). A estrela mais brilhante é a gigante azul B5Iab de magnitude 7.2 (paralaxe 0.3440±0.0191, 2906 pc, 9481 anos-luz) e a segunda uma gigante vermelha M0.5Ib-II de 8.5 (paralaxe 0.3453±0.0179, 2896 pc, 9446 anos-luz).
Este enxame com a sua forma triangular vagamente natalícia, destaca-se num grupo de outros enxames abertos NGC 654, 663, 659, que pertencem à associação Cas OB8. e ainda o pequeno Trumpler 1, todos eles visíveis num raio de 4 graus com um pequeno refrator ou binóculos de grande abertura. Estão muito perto da delta Cassiopeiae "Ruchbah", uma anã azul de magnitude 2.67.
Enxame aberto Messier 103 (NGC 581)
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 29 min (58x30s) ISO 800
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Enxame aberto NGC 457 "Owl / E.T. Cluster"
Voltei a este enxame favorito que é conhecido por muitos nomes, o enxame aberto Messier NGC 457 (I3r), tal como o Messier 103 estão no braço de Perseu da Via Láctea, tendo apenas cerca de 16 milhões de anos de idade. Segundo o ED3R está a 2749.0 pc (~9000 anos-luz). Ver aqui uma imagem com o campo maior.
A estrela mais brilhante Phi Cassiopeiae que serve de "olho" do E.T. (ou da "coruja") é uma supergigante amarela (F0Ia), que o EDR3 lhe dá a paralaxe de 0.2142±0.0838 mas que corresponde a 4667 pc (~15000 anos-luz), estando na realidade 6000 anos-luz atrás. A supergigante azul (B5Ia) do outro 'olho' está a 2718 pc (~8864 anos-luz) com a paralaxe 0.3679±0.0169, mas o estado evolucionário coloca algumas dúvidas se pertence realmente ao enxame.
Enxame aberto NGC 457 "Owl / E.T. Cluster"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 29.3 min (59x30s) ISO 800
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Nebulosa planetária Messier 76 (NGC 650/651) "Little Dumbbell Nebula"
Na constelação de Perseu e perto da fronteira com Andrómeda encontra-se a nebulosa planetária mais ténue do catalogo de Messier a nebulosa planetária Messier 76. Esta nebulosa tem dois números NGC atribuídos porque William Herschel quando a observou em 1787 a descreveu como duas nebulosas brilhantes muito juntas, correspondentes aos dois lobos do tórus central (visto de perfil) desta nebulosa bipolar com morfologia "borboleta", sendo o protótipo desta classificação. A semelhança com a mais próxima Messier 27, deu-lhe o nome popular apesar de já ter sido sugerido que é mais parecida com a Messier 57 vista de perfil.
Segundo o EDR3 (paralaxe 0.2945±0.2026, 3395 pc) a estrela anã branca central (o núcleo da gigante progenitora) de magnitude ~17.7 está situada a cerca de 11000 anos-luz, que não corresponde à realidade devido à medição ter sido afectada pelo o brilho da nebulosa. Estudos recentes coloca-na a 1200 pc (~3900 anos-luz) e tem uma espantosa temperatura que varia conforme a fonte entre 140000-200000 K e uma luminosidade de 261xL⊙, tudo isto com menos massa que o nosso Sol!
Nebulosa planetária Messier 76 (NGC 650/651) "Little Dumbbell Nebula"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 58 min (116x30s) ISO 800
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Galáxia NGC 891 "Silver Sliver Galaxy"
Voltei à constelação de Andrómeda para visitar um outro grupo de galáxias rico em espirais, o grupo da NGC 1023, ao qual a galáxia NGC 891 (SBb) pertence, além das NGC 925, NGC 1058, NGC 1239 e outras mais pequenas e ténues.
Esta galáxia de perfil é uma espiral barrada similar à Via Láctea e tem um tamanho, distribuição e velocidade de rotação das estrelas, gás e poeira semelhante, apesar de ter formação de estrelas mais intensa e pelo menos o dobro mais rica em gás molecular. Está a 8.91±0.44 Mpc (~29 milhões anos-luz), uma das mais próximas "edge-on" desde tipo, razão para ser objecto de muitos estudos, inclusive o Hubble que lhe fez uma imagem espantosa.
Pode-se ver aqui uma imagem com grande campo capturada em 2006. Esta galáxia devido ao seu baixo brilho de superfície, requere céu escuro para se observar visualmente. O nome popular "Silver Sliver Galaxy", traduz-se literal por "Lasca de Prata". Também estão presentes duas galáxias de fundo, muito pequenas (quase pontuais) e nada óbvias, a PGC 9042 e a PGC 9101, esta última talvez a mais de 600 milhões anos-luz.
Galáxia NGC 891 "Silver Sliver Galaxy"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 58 min (116x30s) ISO 800
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Pátio 377 - Eclipse lunar parcial
2024.09.18
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
Eclipse parcial de uma "super Lua", pois estava muito perto do seu perigeu, apenas distanciada 353602 km por altura do máximo do eclipse. A Lua tem esta cor amarelada devido ao fumo dos fogos que grassam o país.
As imagens tem todas o mesmo tempo de exposição (1/1000s) para se observar o efeito da penumbra e da umbra na superfície lunar.
Lua antes do eclipse 00:27 UTC
Takahashi Sky-90 f/4.5 (407mm) + Canon 6DMkII 2.92"
exp: 1/1000s ISO 200
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Lua na penumbra e antes do inicio da fase parcial 02:10 UTC
Takahashi Sky-90 f/4.5 (407mm) + Canon 6DMkII 2.92"
exp: 1/1000s ISO 200
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Lua no eclipse parcial máximo 02:43 UTC
Takahashi Sky-90 f/4.5 (407mm) + Canon 6DMkII 2.92"
exp: 1/1000s ISO 200
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Tempos de Eclipse (High Precision Ephemeris Tool 4.8):
- Primeiro contacto com a penumbra: 18/09/2024 00:40.8 UTC
- Principio da fase parcial: 18/09/2024 02:13.8 UTC
- Máximo do eclipse: 18/09/2024 02:44.9 UTC
- Fim da fase parcial: 18/09/2024 03:15.9 UTC
- Último contacto com a penumbra: 18/09/2024 04:48.9 UTC
- Magnitude eclipse: 0.0835
Os próximos eclipses totais visíveis em Leiria (e provavelmente no resto de Portugal continental) serão em:
- 14 Março de 2025 com a totalidade e iniciar às 6:24 UTC e terminar às 7:33 UTC
- 20 Dezembro de 2029 com a totalidade e iniciar às 22:13 UTC e terminar às 23:11 UTC
Outros eclipses lunares aqui no Pátio
Bibliografia e recursos:
Pátio 378 - Cometa Tsuchinshan-ATLAS no periélio
2024.09.27
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
Apesar do Pátio estar numa latitude muito desfavorável, mais precisamente no hemisfério errado, decidi tentar "caçar" este cometa na passagem do seu periélio que aconteceu hoje. Estava previsto uma boa probabilidade de haver céu limpo por volta da hora em que nascia. Tive sorte, mas não consegui observá-lo visualmente com o binóculo 7x50, o que me obrigou a fazer imagens sem saber exatamente onde se encontrava.
Cometa Tsuchinshan-ATLAS (C/2023 A3)
Na altura das imagens estava a 0.97359502 AU (~145.6 milhões km) da Terra e nascia apenas 13 minutos antes do Sol. Realmente demasiado próximo. Na primeira imagem estava apenas 2 dedos (4 graus) acima do horizonte.
Fotografei este promissor cometa em maio passado. O seu perigeu vai ser em 12 de outubro, dia a que estará a 0.472 AU (70.6 milhões km) da Terra e com o seu ocaso a acontecer 1 hora após o Sol se pôr. Se continuar com este brilho será provavelmente visível a olho nu durante este e mais alguns dias à medida que se vai afastando do Sol, ao qual pode nunca mais vai voltar a visitar, pois tem uma órbita hiperbólica que lhe dá boas probabilidades de se escapar do sistema solar. Já não era nada mau se fosse da categoria do cometa NEOWISE de 2020.
Cometa Tsuchinshan-ATLAS C/2023 A3 - 20240927 05:37 UTC
Canon 6DMkII 200mm f/4 6"
exp: 4s (1x4s) ISO 200
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Cometa Tsuchinshan-ATLAS C/2023 A3 - 20240927 05:44 UTC
Canon 6DMkII 200mm f/4 6"
exp: 3s (1x3s) ISO 200
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Pátio 379 - Helvetios
2024.09.28
Pátio (Leiria 39°N 08°48'W alt. 130m)
A noite pareceu-me limpa, apesar de poder haver algumas nuvens altas, com pouca humidade e sem vento. Estive a fazer imagens até ao crepúsculo. Ao longo da sessão fui apreciando o desfile dos planetas mais brilhantes, primeiro Vénus ao fim do dia, seguido do cremoso Saturno, até o fulgurante Júpiter nascer e depois Marte no meio da constelação dos Gémeos, terminando com o minguante lunar.
Como sempre, fui selecionando objectos que estivessem altos acima dos 60 graus (3 palmos bem medidos), para tentar escapar ao globo de poluição luminosa e da iluminação pública próxima, mas o céu no zénite não passava da magnitude 3.
A Lua foi fotografada exatamente na mesma escala de todas as imagens feitas com Takahashi CN-212 f/3.82, para mais fácil comparação do tamanho real dos objectos.
Lua 2024-09-29 05:38 UTC
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 1/250s ISO 800
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Alpha Andromedae "Alpheratz"
A Alpha Andromedae (B8IV-VHgMn) é uma sub-gigante branco azulada de magnitude 2.07, e para além de ser a mais brilhante da constelação de Andrómeda (quando a Mirach está no seu mínimo), serve também de vértice do famoso Quadrado do Pégaso, razão de de ter sido uma estrela "partilhada" com a constelação do Pégaso como Delta Pegasi (δ), tendo caído em desuso após a estandardização das constelação pelo o IAU depois 1930. Está a 97±1 anos-luz.
Alpha Andromedae "Alpheratz"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 3.5 min (7x30s) ISO 800
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51 Pegasi "Helvetios"
A 51 Pegasi é uma estrela de magnitude 5.5 muito parecida com o nosso Sol, da classe G2IV e 1.12 M☉, que está relativamente próxima a 15.5±0.01 pc, 50.64±0.04 anos-luz, razão para a qual foi candidata para encontrar planetas na sua órbita.
Foi nesta estrela que em 1995 foi descoberto o Pegasi B, agora oficialmente chamado "Dimidium", latim para "metade". Este exoplaneta tem pelo menos metade da massa a Júpiter (daí o seu nome) mas com uma órbita extremamente próxima do seu sol (0.0527±0.0030 AU, 7880000±45000 km), fazendo uma órbita completa em apenas 101,54 horas!, razão para ser o protótipo da classe de exoplanetas "Jupiter quente". Esta descoberta foi importante, porque tornou-se óbvio anos depois que provavelmente muitas estrelas, em especial como a nossa, têm sistemas planetários, muitos deles bem bizarros.
Os nomes tanto da estrela como do exoplaneta foram oficialmente atribuídos em 2015, em honra aos suíços Michel Mayor e Didier Queloz que foram pioneiros no desenvolvimento de técnicas de deteção de exoplanetas, partilhando por esta descoberta o Nobel da Física de 2019.
51 Pegasi "Helvetios"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 4 min (8x30s) ISO 800
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Alpha Tauri "Aldebaran"
A Alpha Tauri (K5+III) é uma gigante laranja variável de magnitude 0.86 (0.75–0.95) que sinaliza o olho do Touro, sendo as pontas dos cornos pelas Beta e a Zeta e a cabeça delineada pelo gigantesco enxame aberto Híades, que no entanto se encontra ao dobro da distância. A Aldebaran, a "seguidora" das Plêiades, tem 1.16±0.07 M☉, 45.1±0.1 R☉ e 439±17 L☉ estando a 65.3±1 anos-luz.
Por estar perto da eclíptica (plano do Sistema Solar), a imagem da Aldebaran tem um pequeno visitante: o asteróide (380) Fiducia, palavra do latim para "confiança", numa órbita de 2.67 AU e com um período de 4.39 anos. No momento da imagem tinha a magnitude de 13.9 e estava a 1.95 AU (292 milhões km) da Terra. Este asteróide foi descoberto em 1894 por Auguste Charlois e têm um apreciável diâmetro de 67.5 km, residindo na Cintura de Asteróides, uma região de 2 a 4 AU entre os planetas Marte e Júpiter.
Alpha Tauri "Aldebaran"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 4 min (8x30s) ISO 800
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Alpha Aurigae "Capella"
A estrela de primeira magnitude e alfa da constelação do Cocheiro (Auriga), Alpha Aurigae (G3III) dista do nosso sistema solar segundo a paralaxe do Hipparcos, 76.20±0.46 mas que corresponde a 13.159±0.015 pc ou 42.919±0.049 anos-luz. "Capella" é a palavra em latim para "Cabrita" e é a 3ª terceira estrela mais brilhante do hemisfério norte depois de Vega e da Arcturo.
A Capella é na realidade um sistema binário com duas estrelas sub-gigantes de massa semelhante orbitando entre si muito perto: a Capella Aa K0III 2.6 M⊙ e a Capella Ab 2.5 M⊙ G1III num período de apenas 104 dias. Sendo um sistema binário brilhante e relativamente perto, são muito observadas e têm as suas massas bem determinadas, sendo por tal um sistema importante para estudar e modelar a fase de "queima" de hélio, especialmente a estrela primária (Aa) que já se deve encontrar nessa fase.
Alpha Aurigae "Capella"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 4 min (8x30s) ISO 800
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Enxame aberto NGC 752
O enxame aberto NGC 752 está relativamente próximo a 438±7 pc (~1400 anos-luz) e tem uma idade de apenas 1.34±0.06 milhões de anos. Foi descoberto por Caroline Herschel em 1783.
A imagem abaixo não o capturou completamente, pois tem mais de 1 grau de extensão e é muito esparso, sendo um pouco difícil diferenciá-lo de estrelas de fundo, mas o estudos fotométricos e de movimentos próprios permitiram encontrar mais de 250 estrelas membro prováveis. A sua proximidade e idade torna-o importante para observar estrelas com cerca de 1 milhão de anos de idade.
Enxame aberto NGC 752
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 48'x48'
exp: 30 min (60x30s) ISO 800
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Galáxia NGC 1023 "Perseus Lenticular"
A Galáxia lenticular barrada NGC 1023 (SB0^-(rs)) é a galáxia deste tipo (núcleo brilhante e sem estrutura espiral) mais próxima da nossa Galáxia e a mais brilhante e no centro de um pequeno grupo de pelo menos duas dúzias de galáxias (Tully 1980), incluindo a NGC 891 acima, estando neste momento no meio de uma pequena mesclação ("merge") com a galáxia anã espiral/irregular NGC 1023A, como parece óbvio no lado esquerdo da galáxia. Está situada a 11.1 Mpc (~36 milhões anos-luz).
Galáxia NGC 1023 "Perseus Lenticular"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 60 min (120x30s) ISO 800
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Galáxia Messier 74 (NGC 628)
A Galáxia espiral "grand-design" Messier 74 (SA(s)c) foi uma espécie de némesis nas minhas observações visuais, especialmente nas maratonas Messier em que é dos últimos objectos da lista, e havia uma boa razão para isso, é um dos objectos mais difíceis de observar porque tem o menor brilho de superfície de todos os outros da lista de Messier, requerendo um céu escuro e transparente.
Esta galáxia tem um tamanho semelhante à Via Láctea e com uma massa estimada de 300 mil milhões sois. Está a 9.77±0.17 Mpc (~31.8 milhões anos-luz) sendo a maior de um pequeno e esparso grupo de galáxias, tendo sido já alvo dos telescópios espaciais Hubble e Webb.
Galáxia Messier 74
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 60 min (120x30s) ISO 800
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Nebulosa de emissão e reflexão IC 405 "Flaming Star Nebula"
Esta imagem é uma implacável demonstração da falta de sensibilidade no h-alpha desta câmara. Qualquer imagem feita com um CCD astronómico mostra uma vasta quantidade de hidrogénio ionizado (H II) na sua cor tipicamente vermelha. Nesta imagem, e apesar de mais de uma hora de exposição, apenas conseguiu capturar alguma da nebulosa azul de reflexão que é essencialmente causada pela dispersão ("scattering") da luz na poeira interestelar.
A nebulosa de emissão e reflexão IC 405 resulta da interação com nuvens interstelares com a estrela "fugitiva" AE Aurigae, da classe O9.5V e com uma magnitude média de 5.96, que se crê ter sido ejetada da Nebulosa de Orion (Messier 42) há cerca de 2.5 milhões de anos, conjuntamente com as Mu (μ) Columbae e possivelmente a 53 Arietis.
Esta estrela "em fuga" ("runaway") tem uma massa de 19.2±0.3 M☉ e irradia cerca 50000 L☉, o suficiente para espalhar o caos por onde passa, estando distanciada segundo o EDR3, a 389±5 pc (~1285 anos-luz) ou por espectrometria 555 pc (~1810 anos-luz), não se sabe qual a distância mais correcta, mas em qualquer caso. tem um movimento próprio bastante significativo de quase 44 mas/ano (está a afastar-se de nós), que corresponde a uma distância "percorrida" de 17 AU por ano.
Nebulosa de emissão e reflexão IC 405 "Flaming Star Nebula"
Takahashi CN-212 f/3.82 (810mm) Canon 6DMkII 1.44" 39'x39'
exp: 62.5 min (125x30s) ISO 3200
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