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DESTRONANDO EINSTEIN

 

26 de Março 2004 - Mais cedo ou mais tarde, o reino de Einstein, como o reino de Newton antes dele, chegará ao fim. Uma grande mudança no mundo da Física que  derrubará as nossas noções da realidade é inevitável, acreditam muitos cientistas, e actualmente uma corrida está a decorrer entre uma mão cheia de teorias que competem entre si pela sucessão no trono.

 

Na corrida estão ideias apelativas tais como um universo de 11 dimensões, "constantes" universais (tais como a força da gravidade) que variam no espaço e no tempo e que só se mantêm realmente fixas numa 5ª dimensão invisível, cordas infinitesimais vibratórias  como  constituintes fundamentais da realidade, e a estrutura básica do espaço e tempo não é homogénea e contínua, como acreditava Einstein, mas dividida em pedaços discretos, indivisíveis de um tamanho impressionantemente pequeno. A experiência irá determinar qual é que triunfará.

 

Direita: Segundo a teoria da relatividade geral de Einstein, a gravidade do Sol faz com que a luz estelar seja desviada, deslocando a posição aparente das estrelas no céu.

 

Uma nova concepção de  uma experiência para testar as previsões da relatividade de Einstein, com maior precisão do que nunca, está a ser desenvolvida por cientistas na JPL da NASA. A sua missão, que usa efectivamente o nosso Sistema Solar como um gigante laboratório, ajudará a estreitar o campo das teorias fiáveis e  aproximar-nos mais um passo da próxima revolução na Física.
 

Divididos

 

Pode não pesar muito na mente da maioria das pessoas, mas uma grande cisão tem minado o nosso entendimento fundamental do Universo. Actualmente existem duas maneiras de explicar a Natureza e o comportamento do espaço, tempo, matéria e energia: a relatividade de Einstein e o "modelo padrão" da mecânica quântica. Ambas são bem sucedidas. O sistema Global Positioning System, por exemplo, não seria possível sem a teoria da relatividade. Entretanto, os computadores, telecomunicações e Internet são  o resultado da mecânica quântica.

 

Mas as duas teorias são como linguagens distintas, e ninguém sabe ao certo como traduzir de uma para a outra. A relatividade explica a gravidade e o movimento ao unir o espaço e o tempo numa dinâmica de 4 dimensões, a estrutura moldável da realidade chamada espaço-tempo, que é desviada e distorcida pela energia que contém. (A massa é uma forma de energia, portanto esta - energia - cria a gravidade ao distorcer o espaço-tempo). A mecânica quântica, por outro lado, assume que o espaço e o tempo formam um "palco" plano e imutável no qual o drama de várias famílias de partículas se desenrola. Estas partículas podem mover para a frente ou para trás no tempo (algo que a relatividade não permite) e as interacções entre estas partículas explicam as forças básicas da Natureza - com a flagrante excepção da gravidade.

 

Esquerda: Os astrónomos usam as propriedades de desvio da luz pela gravidade para ver galáxias muito distantes - tais como as formas em arco nesta imagem - numa técnica chamada "lentes gravitacionais".

 

A disputa entre estas duas teorias já dura há décadas.  Muitos cientistas assumem que, de alguma forma, eventualmente, uma teoria unificadora irá ser desenvolvida e que incluirá as duas, mostrando como as verdades que cada uma contém pode encaixar perfeitamente numa única e completa descrição da realidade. Tal "Teoria de Tudo" afectaria profundamente o nosso conhecimento do nascimento, evolução e destino eventual do Universo.

 

Slava Turyshev, um cientista da JPL, e seus colegas pensaram numa forma de usar a International Space Station e dois mini-satélites a orbitar do lado oposto  do Sol para testar a teoria da relatividade com uma precisão sem precedentes. A sua concepção, seria tão sensível que poderia revelar  falhas na teoria de Einstein, fornecendo desta forma os primeiros dados sólidos necessários para distinguir quais das "Teorias de Tudo" em competição estão de acordo com a realidade e quais são meras divagações.

 

A experiência, chamada Laser Astrometric Test Of Relativity, veria como que é que a gravidade do Sol deflecte a luz do laser emitida pelos dois mini-satélites. A gravidade desvia o caminho da luz porque distorce o espaço através do qual a luz passa. A analogia padrão para este distorcer do espaço-tempo pela gravidade é imaginar o espaço como uma folha de borracha plana que se estica sob o "peso" de objectos como o Sol. A depressão na folha faria com que um objecto (mesmo uma partícula de luz sem massa ) ao passar próximo do Sol se desviasse ligeiramente na sua trajectória.

 

De facto, foi pela medição do desvio da luz estelar pelo Sol durante o eclipse solar em 1919 que Sir Arthur Eddington testou pela primeira vez a teoria da relatividade geral de Einstein. Em termos cósmicos, a gravidade do Sol é bastante fraca: o caminho de um feixe de luz a passar no bordo do Sol só seria desviado cerca de 1,75 segundos de arco. Dentro dos limites de precisão do seu equipamento de medição, Eddington mostrou que a luz estelar na verdade desviava esse valor -- e ao fazer isso pôs em dúvida Newton.

 

 

LATOR medirá esta deflexão com um milhar de milhões de vezes a precisão em relação à experiência de Eddington e 30 000 vezes a precisão do actual detentor do recorde: uma medição interessante usando sinais da sonda Cassini a caminho de explorar Saturno.

 

 

Acima: A curvatura do espaço devida à massa do Sol fez com que os sinais da sonda Cassini encurvassem no seu caminho à Terra.

 

"Eu penso que LATOR será um avanço bastante importante para a Física fundamental," diz Clifford Will, professor de Física da Universidade de Washington que fez contribuições importantes para a Física pós-newtoniana e não está directamente envolvido no LATOR. "Nós devemos continuar a tentar a exigir mais precisão nos testes à relatividade geral, simplesmente porque qualquer desvio significaria que há uma nova Física de que não estávamos cientes antes."

 

Laboratório solar

 

A experiência funcionaria assim: dois pequenos satélites, cada um com um metro de comprimento, seria lançado numa órbita em volta do Sol sensivelmente à mesma distância que a Terra. Este par de satélites orbitaria mais lentamente do que a Terra faz, portanto cerca de 17 meses após o lançamento, os mini-satélites e a Terra estariam em lados opostos do Sol. Mesmo se os dois satélites estivessem a 5 milhões de quilometros de distância, o ângulo entre eles como visto da Terra seria  pequeno, apenas 1º. Em conjunto, os dois satélites e a Terra formam um pequeno triângulo, com os feixes laser a formar os lados, e um destes feixes a passar próximo do Sol.

 

 

Acima: Um diagrama esquemático da missão proposta LATOR.

 

Turyshev planeia medir o ângulo entre os dois satélites usando um interferómetro montado na ISS. Um interferómetro é um aparelho que capta e combina feixes de luz. Ao medir como as ondas de luz dos dois satélites "interferem" um com o outro, o interferómetro pode medir o ângulo entre os satélites com uma precisão extraordinária: cerca de 10 milésimos de milionésimo de segundo de arco, ou seja 10/1 000 000 000 de segundo de arco o que equivale a 0,01 microsegundos de arco. [N.T.: Guilherme de Almeida, astrónomo amador de longa data e professor de Física, anota: Um ângulo de um segundo de arco (1"), em si, já é extremamente pequeno sabendo que um segundo de arco é 1/3600 do grau.] Quando a precisão de outras partes do design LATOR são consideradas, obtém-se uma precisão geral, ao medir quanto é que a gravidade desvia o feixe laser, de cerca de 0,02 microsegundos de arco numa única medição. [N.T.: Guilherme de Almeida  anota: De ressalvar que "arcsecond" é uma designação anglo-saxónica de segundo de arco. Diz-se "de arco" para que não se confundam com segundos de tempo. Por isso mesmo, os símbolos são bem diferentes ("  para o segundo de arco; s  para o segundo de tempo).  Para os americanos e brasileiros billion é 109. Consequentemente, para eles, "1 billionth" é 10 -9 = 1/1 000 000 000. Logo, "1 billionth of an arcsecond" é aquilo que cientificamente será um nanosegundo.  Portanto  "10 billionths of an arcsecond" = 10 x 10-9 "  =  10-8 ", ou seja, 10-2 x 10-6 ", o que dá  10-2 microsegundos de arco = 0,01 microsegundos de arco.]  

 

"Usar o ISS dá-nos algumas vantagens," explica Turyshev. "Por exemplo, está acima das distorções da atmosfera da Terra, e é também suficientemente grande para colocarmos as duas lentes do interferómetro longe uma da outra (em cada extremidade do  painel solar) o que melhora a resolução e precisão dos resultados."

 

Esquerda: O interferómetro será montado no suporte do painel solar da ISS, que gira automaticamente para estar continuamente virado para o Sol.

 

A precisão de 0,02 microsegundos de arco do LATOR é suficientemente boa para revelar os desvios das previsões da relatividade de Einstein previstos pelas "Teorias de Tudo" propostas, que variam desde a 0,5 a 35 microsegundos de arco. A concordância com as medidas de LATOR seria um impulso importante para qualquer uma destas teorias. Mas se não for encontrado qualquer desvio em relação às previsões de Einstein mesmo por LATOR, muitos dos actuais proponentes - juntamente com as 11 dimensões, espaço pixelado, e constantes inconstantes -- sofrerão um abalo fatal e "passarão" para os arquivos mortos.

 

O leitor pode encontrar mais informações sobre terminologia, símbolos e notações na seguinte obra: "Sistema Internacional de Unidades (SI) – Grandezas e Unidades Físicas, Terminologia, Símbolos e Recomendações." de Guilherme de Almeida, Plátano Edições Técnicas, Lisboa, 2002 (livro recomendado pela Sociedade Portuguesa de Física).

 

LINKS

 

Office of Biological and Physical Research  da NASA. Apoia os estudos como o de Turyshev para o beneficio dos humanos no espaço e na terra.

Laser Astrometric Test Of Relativity  Artigo técnico por Turyshev e colegas acerca da experiência LATOR.

Muitos dos candidatos à "Teoria de Tudo" prevêem a existência de um campo escalar que permeia o Universo. Einstein propôs primeiro tal campo quando introduziu uma constante cosmológica nas suas equações para a gravidade. Mais tarde ele mudou o seu pensamento e retirou este termo, mas recentemente a ideia tem ganho interesse entre os físicos. Tal termo pode explicar a descoberta surpreendente de que a expansão do Universo está actualmente a acelerar, e não a abrandar como inicialmente os físicos pensavam. Como a famosa experiência de Michelson-Morley em 1887 que procurava detectar a existência do "éter", LATOR será capaz de determinar se o campo escalar existe - uma descoberta que seria um marco na procura de uma "Teoria de Tudo."

Einstein's Relativity and Everyday Life  O físico Clifford Will explica como o Global Positioning System depende da teoria da relatividade.

The Theory of Everything  Artigo sobre a procura por uma teoria para unificar a relatividade com a mecânica quântica pelo físico Michio Kaku.

A Pop Quiz for Einstein  da Science@NASA. A sonda Gravity Probe B testará aspectos importantes da teoria da relatividade geral de Einstein.

The Elegant Universe  Veja a série Nova de 3 horas da PBS sobre a procura de uma "Teoria de Tudo".

"Laser Astrometric Test of Relativity (LATOR) Mission Studies" é apenas uma das concessões de investigação da Fisica fundamental recentemente premiada pelo Office of Biological and Physical Sciences da NASA.

General Relativity  Introdução à relatividade geral da Wikipedia.

 

 

 

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